História Digital
O golpe militar de 1964 instaurou no Brasil uma forte censura, praticada através dos Atos Institucionais (AI’s) criados para aumentar a repressão do Estado sobre a população ou qualquer manifestação que fosse contrária ao governo imposto no país. Não demorou para a música – enquanto manifestação artístico-cultural de forte teor político – estar entre os principais alvos da censura. Mas nem isso calava a voz dos artistas. Assim, conheça 10 músicas de protesto à Ditadura Militar.
Se você curte este tema e deseja ler algo para aprofundar ainda mais no assunto, sugerimos a leitura do livro Cale-se: Mpb e Ditadura Militar, que trata
das letras das canções compostas nos anos mais duros da ditadura (1964 a
1974), e reforça a ideia de que a música serviu – e serve – como uma
importante ferramenta de comunicação, carregando mensagens (as mais
variadas possíveis) com as palavras e frases que formam suas letras.
Vale ressaltar que nem todas as músicas
foram criadas como forma de protesto. Por exemplo, alguns cantores, como
Caetano Veloso e Gilberto Gil, compunham músicas com forte teor
político e social, mas nem sempre faziam críticas diretas à ditadura.
Porém, são citadas por fazerem parte de um momento histórico único em
nossa história, caracterizado pela efervescência cultural.
Tentei encontrar as versões originais
das músicas, para mostrar o clima da época e a relação dos artistas com
seu público. Porém, isto compromete um pouco a qualidade do vídeo. Mas
vale a pena. Confiram!
1- Alegria, alegria
A música Alegria, Alegria
foi lançada em 1967, por Caetano Veloso. Valorizava a ironia, a
rebeldia e o anarquismo a partir de fragmentos do dia-a-dia. Em cada
verso, revelações da opressão ao cidadão em todas as esferas sociais. A
letra critica o abuso do poder e da violência, as más condições do
contexto educacional e cultural estabelecido pelos militares, aos quais
interessava formar brasileiros alienados.
Trecho: O sol se reparte em crimes/Espaçonaves, guerrilhas/Em cardinales bonitas/Eu vou…2- Caminhando
Caminhando (Pra não dizer que falei das flores) é
uma música de Geraldo Vandré, lançada em 1968. Vandré foi um dos
primeiros artistas a ser perseguido e censurado pelo governo militar. A
música foi a sensação do Festival de Música Brasileira da TV Record, se
transformando em um hino para os cidadãos que lutavam pela abertura
política. Através dela, Vandré chamava o público à revolta contra o
regime ditatorial e ainda fazia fortes provocações ao exército.
Trecho: Há soldados
armados / Amados ou não / Quase todos perdidos / De armas na mão / Nos
quartéis lhes ensinam / Uma antiga lição: De morrer pela pátria / E
viver sem razão
3- Cálice
A música Cálice,
lançada por Chico Buarque em 1973, faz alusão a oração de Jesus Cristo
dirigida a Deus no Jardim do Getsêmane: “Pai, afasta de mim este
cálice”. Para quem lutava pela democracia, o silêncio também era uma
forma de morte. Para os ditadores, a morte era uma forma de silêncio.
Daí nasceu a ideia de Chico Buarque: explorar a sonoridade e o duplo
sentido das palavras “cálice” e “cale-se” para criticar o regime
instaurado.
Trecho: De muito
gorda a porca já não anda (Cálice!) / De muito usada a faca já não corta
/ Como é difícil, Pai, abrir a porta (Cálice!) / Essa palavra presa na
garganta
4- O bêbado e o equilibrista
O bêbado e o equilibrista,
foi composto por Aldir Blanc e João Bosco e gravado por Elis Regina, em
1979. Representava o pedido da população pela anistia ampla, geral e
irrestrita, um movimento consolidado no final da década de 70. A letra
fala sobre o choro de Marias e Clarisses, em alusão às esposas do
operário Manuel Fiel Filho e do jornalista Vladimir Herzog, assassinados
sob tortura pelo exército.
Trecho: Que sonha com a volta / Do irmão do Henfil / Com tanta gente que partiu / Num rabo de foguete / Chora! A nossa Pátria Mãe gentil / Choram Marias e Clarisses / No solo do Brasil…
5- Mosca na sopa
Mosca na sopa é uma
música de Raul Seixas, lançada em 1973. Apesar das controvérsias acerca
do sentido da música, a letra faz uma referência clara à ditadura
militar. Através de uma metáfora, o povo é a “mosca” e, a ditadura
militar, “a sopa”. Desta forma, o povo é apresentado como aquele que
incomoda, que não pode ser eliminado, pois sempre vão existir aqueles
que se levantam contra regimes opressores.
Trecho: E não adianta / Vir me detetizar / Pois nem o DDT / Pode assim me exterminar / Porque você mata uma / E vem outra em meu lugar…
6-É proibido proibir
É proibido proibir é
uma música de Caetano Veloso, lançada em 1968. Esta canção era uma
manifestação das grandes mudanças culturais que estavam ocorrendo no
mundo na década de 1960. Na apresentação realizada no Teatro da
Universidade Católica de São Paulo, a música de Caetano foi recebida com
furiosa vaia pelo público que lotava o auditório. Indignado, Caetano
fez um longo e inflamado discurso que quase não se podia ouvir, tamanho
era o barulho dentro do teatro.
Trecho: Me dê um
beijo meu amor / Eles estão nos esperando / Os automóveis ardem em
chamas / Derrubar as prateleiras / As estantes, as estátuas / As
vidraças, louças / Livros, sim…
7-Apesar de você
Depois de Geraldo Vandré, Chico Buarque
se tornou o artista mais odiado pelo governo militar, tendo dezenas de
músicas censuradas. Apesar de você foi lançada em 1970,
durante o governo do general Médici. A letra faz uma clara referência a
este ditador. Para driblar a censura, ele afirmou que a música contava a
história de uma briga de casal, cuja esposa era muito autoritária. A
desculpa funcionou e o disco foi gravado, mas os oficiais do exército
logo perceberam a real intenção e a canção foi proibida de tocar nas
rádios.
Trecho: Quando
chegar o momento / Esse meu sofrimento / Vou cobrar com juros. Juro! /
Todo esse amor reprimido / Esse grito contido / Esse samba no escuro
8- Acender as velas
A música Acender as velas,
lançada em 1965, é considerada uma das maiores composições do sambista
Zé Keti. Esta música inclui-se entre as músicas de protesto da fase
posterior a 1964. A letra deste samba possui um impacto forte, criado
pelo relato dramático do dia-a-dia da favela. Faz uma crítica social as
péssimas condições de vida nos morros do Rio de Janeiro, na década de
1960.
Trecho: Acender as
velas / Já é profissão / Quando não tem samba / Tem desilusão / É mais
um coração / Que deixa de bater / Um anjo vai pro céu
9- Que as crianças cantem livres
Que as crianças cantem livres
é uma composição de Taiguara, lançada em 1973. No mesmo ano, o cantor
se exilou em Londres, tendo sido um dos artistas mais perseguidos
durante a ditadura militar. Taiguara teve 68 canções censuradas, durante
o período de maior endurecimento do regime, no fim da década de 1960
até meados da década de 1970.
Trecho: E que as
crianças cantem livres sobre os muros / E ensinem sonho ao que não pode
amar sem dor / E que o passado abra os presentes pro futuro / Que não
dormiu e preparou o amanhecer…
10- Jorge Maravilha
Jorge Maravilha,
lançada em 1974, é mais uma música de Chico Buarque, agora sob o
pseudônimo de Julinho de Adelaide, criado para driblar a censura. Os
versos “você não gosta de mim, mas sua filha gosta” parecia uma relação
conflituosa entre sogro, genro e filha. Mas, na verdade, fazia alusão à
família do general Geisel. Geisel odiava Chico Buarque. No entanto, a
filha do militar manifestava interesse pelo trabalho do compositor.
Trecho: E como já
dizia Jorge Maravilha / Prenhe de razão / Mais vale uma filha na mão /
Do que dois pais voando / Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
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