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domingo, 22 de maio de 2016

Auschwitz no Ceará. A história que não envergonha as elites brasileiras e nem as as alemães.

Crianças que não resistiram e morreram, seu corpos atirados as margens da linha do trem
Imagem acima é semelhante a imagem anterior, porém essa representa o campo de concentração nazista de Auschwitz 

Excelente texto que trata da "história apagada do Brasil". Os campos de concentração da fome é uma das páginas mais vergonhosas da história brasileira e que não é contada nos livros de história. Poucos conhecem o que foram "os campos de concentração da fome" em que os antigos chamavam de "currais da fome". Esse espaço de informação e conhecimento pretende resgatar esse período vergonhoso da "solução final" da elite brasileira que pretendia e ainda pretende confinar essa "gente fedida, piolhenta e maltrapilha" no seu devido lugar. Hoje essas mesmas elites objetivam confinar essa "gente diferenciada" às suas senzalas nas periferias.


Os campos de concentração no Ceará


Olá amigos e amigas, o texto abaixo segue a mesma linha abordada nas matérias a respeito do Relatório Figueiredo, o genocídio indígena no Brasil (Clique aqui para recordar) e o texto O Holocausto brasileiro: O hospital Colônia de Minas Gerais (Clique aqui para acessar), ou seja, abaixo iremos falar de um assunto trágico, cruel e repulsivo que aconteceu em território brasileiro. Essa postagem conta com a participação do amigo Rusmea, dono do blog Rusmea.com. É do senhor Rusmea a dica para que esse assunto fosse abordado pelo blog Noite Sinistra.

Hoje iremos falar sobre os campos de concentração no estado brasileiro do Ceará, evento que também ficou conhecido como "Os Currais Humanos" ou "Currais do Governo". Esse foi um dos tantos eventos ocorridos no Brasil, que não entraram para os livros de história, e que demonstram perfeitamente como os governos de antigamente tratavam as questões sociais no Brasil, não atendendo a necessidade dos pobres, mas sim as exigências dos ricos e afortunados.

Uma situação histórica: As secas e os governos brasileiros

O trecho que segue abaixo serve para ambientar o leitor do ponto de vista histórico de um problema que até hoje atinge toda a região nordeste do Brasil: a seca e a incompetência administrativa relacionada a ela.

Os períodos de estiagem com grave carestia (fome generalizada) que fazem parte do clima do Nordeste brasileiro despertaram (e despertam) a atenção dos governantes desde a época do Império de D. Pedro II. E, por sua vez, estes reagiram com planos e projetos nas áreas de engenharia, social e política, tentando assim amenizar as consequências das secas tanto para as populações diretamente afetadas, bem como as classes políticas locais. Atuando algumas vezes apenas para defender os interesses das classes dominantes, e até de maneira desastrosa em alguns casos.

Um exemplo na área social foram as ações durante a seca de 1877–1879. Nesta, o governo do império incentivou a migração de uma grande parte da população do Ceará para a Amazônia e outras regiões. Com esta campanha, os migrantes cearenses agilizaram o primeiro Ciclo da Borracha.

Essa campanha se repete na seca de 1943, desta vez coordenada e centralizada por uma instância federal, o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia — SEMTA, com o apoio financeiro dos Acordos de Washington, e assim agilizou o segundo ciclo da Borracha. Os Acordos de Washington, foram uma série de acordos assinados após a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Esses acordos previam que o governo Americano patrocinaria algumas obras visando o desenvolvimento industrial brasileiro, em troca da participação do Brasil na Guerra. Quando os americanos financiaram o segundo ciclo da borracha em 1943, devemos perceber que a borracha brasileira era um artigo de extrema importância na época visto que borrachas sintéticas ainda não eram difundidas e desenvolvidas o suficiente, cito como exemplo dessa importância a construção de uma cidade na região norte do Brasil, pela empresa Ford. Tal cidade tinha por finalidade abrigar os trabalhadores que iriam processar a borracha a ser enviada para as fábricas da montadora de veículos. Agora fica a pergunta, o governo brasileiro quando deu início a esse ciclo da borracha estava pensando no plano social, de aliviar o sofrimento daqueles que foram atingidos pela seca, ou estava interessado em atender as vontades e demandas americanas?






Imagem da cidade construída no final da década de 20 pela Ford, na Amazônia brasileira, e que ficou popularmente conhecida como "Fordlândia". Clique AQUI para conhecer mais sobre essa cidade atualmente abandonada na floresta brasileira.
Como exemplo da ações na área de engenharia temos a iniciativa de D. Pedro II, que depois da seca de 1877 envia uma equipe de engenheiros para a região nordestina para estudar as possibilidades de projetos de engenharia com a intenção de amenizar as conseqüências das secas. Os resultados desses estudos, realizados por engenheiros brasileiros e ingleses, indicaram a construção de barragens ou açudes. Um bom exemplo disto é o projeto da construção do Açude do Cedro, uma obra que foi iniciada pelo primeiro governo republicano de Deodoro da Fonseca e finalizada na gestão de Afonso Pena.

A criação do Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS), atual Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), em 1909 por Nilo Peçanha é uma das respostas governamentais ao fenômeno da seca.

Os campos de concentração no Ceará ou os "currais do governo", foram reações governamentais executadas nas secas de 1915 e 1932 no estado do Ceará.

A seca do Quinze

A seca de 1915 foi o cenário para obras escritas como o livro O Quinze, de Raquel de Queiroz, bem com para a implantação do primeiro campo de concentração no Ceará, no Alagadiço, ao oeste de Fortaleza.

No Alagadiço, estima-se um ajuntamento de 8 mil pessoas, "cuidadas" com alguma comida e sob a vigília de soldados.
A razão para o uso desta estratégia foi os temores de invasões e saques dos flagelados da seca em Fortaleza — isso já acontecera na seca de 1877, quando sertanejos famintos invadiram a capital cearense, atemorizando a população urbana.

Esse campo foi desfeito e as vítimas foram dispersadas em 18 de dezembro do mesmo ano.

Durante essa seca, muitos cearenses, seguindo "orientações" dos órgãos do governo, também migraram para a Amazônia.

Fica claro nesse trecho que em nenhum momento o governo pensou medidas para solucionar ou ao menos amenizar os efeitos da seca, as medidas foram apenas de contornar o problema e esperar chover. As medidas, ou a falta de medidas eficientes, forçou o sertanejo a sair de sua residência e se aglomerar em galpões, ou migrar.

A seca de 1932

Na seca de 1932 o nordeste brasileiro sofreu muito com as consequências da estiagem, mas também vivia um momento histórico próprio dentro da era de Getúlio Vargas; Lampião e seu bando centralizavam as atenções dos políticos; as oligarquias políticas do Nordeste mudavam de nomes: Padre Cícero ainda tinha influência política e milagrosa para os sertanejos e a irmandade do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto atraia centenas de flagelados para os arredores de Crato, no Ceará.

Com o temor da intensa invasão de flagelados para Fortaleza — e para outras grandes cidades do Ceará — a estratégia dos "Currais do Governo" mais uma vez foi implantada, só que desta vez não somente em Fortaleza, mas também em cidades com alguma estrutura básica e com estações de trens. Além dos campos de concentração na capital da Terra da Luz, um no já conhecido Alagadiço e um outro no noroeste da capital, no Pirambu (ou Campo do Urubu como ficou conhecido), foram instalados outros em Crato (abrigou 16200 pessoas), em Cariús (26468 pessoas abrigadas), Ipu (erguido as margens da estrada de ferro, abrigou 6507 pessoas), Quixadá, Quixeramobim (abrigou cerca de 4542 pessoas) e Senador Pompeu (16221 pessoas), segundo fonte de Kênia Rios.


Curral Senador Pompeu
Paiol Concentração Fortaleza
Os sertanejos ali alojados recebiam algum cuidado e comida, em troca eram colocados a trabalhar nas frentes de obras, sempre sob a vigilância de soldados. Isso não nos lembra uma prisão, onde "detentos" cumprem sua pena e tem a "possibilidade" de trabalhar? A presença dos soldados prova que muitas das pessoas que estavam ali não tinham optado por estar em tais locais.

Estima-se que cerca de 73000 flagelados foram confinados nesses campos onde as condições eram desumanas, o que resultou em inúmeras mortes. Ainda durante essa seca, flagelados cearenses foram enviados para o combate nas trincheiras da Revolução de 1932 em São Paulo.
Muitas dessas pessoas foram tiradas de suas casas contra a vontade para "se unirem" nos tais campos criados pelo governo. O problema nesse caso foi que, muitas dessas pessoas quando retornaram para o lugar onde moravam, tinham tido suas casas e terras invadidas por coronéis locais, os quais não haviam sido obrigados a aderir ao "programa do governo".





Documentos perdidos

A “Justiça” cearense, manobra de todas as formas possíveis, extinguindo as ações sem julgamento de mérito, tentando com isso fazer permanecer no esquecimento essa página negra da nossa história.

Toda documentação desses genocídios e infames campos de concentração tupiniquins tem sido oculta ao longo das décadas, embora haja hoje uma ação na justiça solicitando a identificação via DNA, de todos os mortos sepultados em valas comuns e seu translado para cemitérios regulares.

Pleiteia-se também indenização para os sobreviventes e seus descendentes.

O papel da Igreja nesse processo

O policiamento e a vigilância nos campos de concentração eram ostensivos. O movimento dos flagelados era vigiado constantemente. Dos campos só poderiam sair, teoricamente, com a autorização dos policiais inspetores. A Igreja católica, também se fazia presente. levavam aos miseráveis o que diziam ser a palavra de Deus, a vigilância e o controle dos famintos.

Deveria torná-los mais obedientes e dóceis. “Os pobres não se maldiziam, não se revoltavam, mesmo porque o padre dissera no sermão que ali proferira, à hora da missa campal: - ‘Todos se confortassem com a vontade de Deus. São Sebastião livraria da peste. Aquela seca era para purgar os pecados. Mais difícil era um rico entrar no céu que um camelo passar no fundo de uma agulha’. E eles chegavam a acreditar, achando que havia compensação na sua pobreza – e nunca se revoltaram”, anotou Magalhães Martins, que vivenciou aquele momento, escreveu em seu livro de contos, Mundo Agreste, sobre aquele episódio: “O comboio apanhava mais flagelados em cada estação – Pinheiro, Novas russas, Ipueiras. Nos vagões se confundiam homens, mulheres, meninos e velhos, com os bichos brutos (...) Também, em promiscuidade, os sadios e os doentes – tuberculosos, epiléticos, assezoados, até loucos (...). Vinha gente de diferentes regiões – do centro e dos confins do Estado, do Alto Jaguaribe. Todos demandavam Ipu como a Terra da Promissão. Correra a notícia exagerada de que não faltava inverno na Serra Grande, feito um celeiro, sendo o Ipu, ao sopé da cordilheira, uma rota dos produtos.

No campo do Ipu o vigário, Monsenhor Gonçalo Lima, semanalmente celebrava missas, casamentos, batizados. Ali foi erguida uma capela, onde o padre celebrava os cultos religiosos para a “cidade dos pobres”.

O saber médico também estava presente no Campo de Concentração. Todos que chegavam deveriam ser vacinados. Havia uma preocupação com a vacinação constante dos flagelados. Embora a vacinação fosse obrigatória, muitos, não acostumados, resistiam. Mas mesmo assim o número de pessoas vacinadas era pequeno, seja pela resistência ou mesmo pela pequena quantidade de vacinas disponíveis.

Também havia uma preocupação muito grande com as condições de higiene no campo, como vimos. Não obstante, as epidemias não foram evitadas. O tifo, a “disenteria”, o sarampo e outras doenças ceifaram muitas vítimas.

A questão social e o medo da aristocracia urbana

Todo um aparato coercitivo era justificado pelo medo que as aglomerações de retirantes gerava na população. As doenças contagiosas era um dos espectros que rondavam os Campos de Concentração e aterrorizava as classes dominantes. Seu combate tinha que ser incessante sob pena de extrapolar os “muros” do campo e atingir as famílias “distintas”. Havia no Campo do Ipu uma média diária de seis a sete mortos. Só entre abril de 1932 e março de 1933 registraram-se, de acordo dados de Kênia Rios, milhares de mortos. A dificuldade em fazer levantamentos exatos a respeito desses números acontecem em função da pouca documentação a seu respeito, e a documentação que existe, coloca as pessoas mortas dentro dos campos junto ao montante total de pessoas que morreram em decorrência da seca. Para se ter uma ideia entre 1877 e 1913, portanto ainda sem os números da seca de 1915, o governo federal, por intermédio do IOCS estimava que 2 milhões de pessoas haviam morrido em consequência da miséria nas estiagens.



A classe dominante urbana temia as epidemias, e assim as pessoas pobres eram trancadas em lugares onde as epidemias encontravam o ambiente perfeito para se proliferarem, mas isso não era problema para os ricos, desde que o enfermos ficassem longe.


Recordações desse sofrimento

Mãos e rosto enrugados, olhar profundo, voz miúda, corpo castigado. Aos 84 anos, uma das últimas sobreviventes do campo de concentração de Senador Pompeu, Luiza Pereira, dona Lô, ainda recorda passagens angustiantes do cativeiro erguido no sertão do Ceará, comparado aos campos nazistas. Única herdeira viva dos oito filhos do casal de agricultores José Pereira e Josefa Bezerra, todos de Tauá, dona Lô continua solteira, morando em uma casa modesta próxima ao centro dessa cidade do sul do estado, outrora próspera devido à infraestrutura ferroviária, no corredor de escoamento do “ouro branco”, como eram conhecidas as plumas de algodão colhidas na região.


A passageira do “curral do Governo”, como também eram conhecidas as áreas de agrupamento de retirantes espalhadas pelo Ceará naquele ano de 1932, ainda fala com lucidez e firmeza sobre a época. Ao registrar o sofrimento dos pais e da irmã, nascida e morta no campo onde mais tarde se ergueu a barragem do açude Patu, revela o trauma que a fez abdicar de se casar e ter filhos.

“Tenho muita coisa pra dizer não. Minha mãe não deixava nós desgrudar dos pé dela. Era muita gente. Ela tinha medo de alguém carregar eu e meu irmão. Do resto todo mundo já sabe. Perdi a conta de quantas vez já repeti tudo isso. O sofrimento foi medonho… Quando chegamos neste lugar, após caminhada de 16 léguas, deitamos ali mesmo, no chão. Exaustos, sem ter o que comer, minha mãe ferveu água para passar a fome. Era apenas o começo dessa miséria que nunca esqueci… Desesperado, meu pai resolveu carregar a gente de Tauá para cá (Senador Pompeu) à procura do que comer e beber. Mas se estava ruim ficou pior.”

Carmélia Gomes Pinheiro, de 87 anos, foi criada em Senador Pompeu, na Vila da Comissão, onde ainda mora. Seu pai, Antônio Gomes da Silva, foi vigia noturno do campo. Ela tinha 8 anos quando começou a ver famílias chegando de todos os cantos do sertão. Pouco saía. Os pais ficavam preocupados. Das colinas do outro lado da vila sabia apenas de imaginar e de ouvir as descrições da irmã, 12 anos mais velha, que às vezes doava alimentos aos flagelados.

“A maioria era desviada. Medicamentos, chegavam poucos para atender a tantos doentes. Roupas não eram enviadas. Quando as vestimentas já estavam aos trapos, os corpos eram cobertos com sacos de mantimentos. Muitos sacos eram costurados e transformados em camisões. E era assim que a maioria era sepultada. Com receio de arrancarem o fígado dos mortos quando eram jogados nas valetas do cemitério, muitas famílias enterravam seus mortos no mato, escondido”, conta. Carmélia lembra um momento marcante naquele ano da concentração, quando caminhando pelo campo viu corpos ainda não enterrados. Ficou paralisada. “Vi uma lagartixa saindo de dentro da boca de um dos mortos.”

Crianças que não resistiram e morreram, seu corpos atirados as margens da linha do trem
Imagem acima é semelhante a imagem anterior, porém essa representa o campo de concentração nazista de Auschwitz 

Assista abaixo alguns Vídeos que falam dos Currais humanos do governo

 


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