O que falta a igreja católica é o seu reencontro com os mais humildes, no combate às injustiças sociais. A Igreja Católica precisa reassumir o seu compromisso com os pobres. Não se pode prometer o Reino dos Céus se não houver uma liturgia que traga o Céu para a Terra para os mais humildes, os necessitados de amor, de carinho.
E que ensine o povo a viver o verdadeiro evangelismo, a verdadeira pregação de Jesus Cristo e sua opção pelos mais humildes. Quando voltaremos a ouvir nas igrejas a música que eu cantava e ouvia (Menores Abandonados) de Pe. Zezinho? Veja abaixo a excelente entrevista com Hilário Dick
“Quem convive com a juventude, sabe que ela gosta de “sair de si mesmo”. E quem vive isso, o faz gratuitamente”
Confira a entrevista.
“Se a Igreja não souber viver e ajudar a construir o discurso da ‘autonomia’, não afasta somente os jovens, mas os fiéis em geral”. A reflexão é de Hilário Dick (foto abaixo), jesuíta, que há 40 anos trabalha na evangelização da juventude. Segundo ele, o discurso religioso “deve ser para todos, mas a proposta de construção da autonomia precisa seguir o caminho da diversidade, onde prevaleça a postura do cuidado e não do controle”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, ele comenta a Jornada Mundial da Juventude, que acontece esse ano no Rio de Janeiro, e a Campanha da Fraternidade de 2013, que aborda a temática da juventude, enfatizando a necessidade de retomar a discussão acerca do cuidado e da autonomia dos jovens. “É preciso que a Igreja e toda a sociedade se encantem ou se re-encantem pela juventude. Isso significa usar muitos verbos, mas podemos resumi-los em três: estudar, amar, estar presente”, aponta. E ressalta: “Quem ‘cuida’, respeita a autonomia, o protagonismo, a personalidade de cada um. Uma mãe que ‘cuida’, não ‘abafa’ o/a filho/a. Deseja que ele/a seja ele/a. Dentro dessa ‘geografia’ coloca-se a criação da Comissão Episcopal para a juventude”.
Hilário Dick é graduado em Teologia pela Pontifícia Faculdade do Colégio Máximo Cristo Rei, e em Filosofia e em Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Mestre e doutor, também em Letras, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, é coordenador do Observatório Juvenil do Vale/Unisinos. Entre seus vários livros publicados, citamos Gritos silenciados, mas evidentes: jovens construindo juventude na história (São Paulo: Loyola, 2003) e Cartas a neotéfilo – Conversas sobre assessoria para grupos de jovens (São Paulo: Loyola, 2005). Junto de Carmem Lucia Teixeira e Lourival Rodrigues da Silva publicou Juventude: acompanhamento e construção de autonomia. É autor do Cadernos IHU número 18, intitulado Discursos à Beira dos Sinos. A emergência de novos valores na juventude: o caso de São Leopoldo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como você avalia a postura da Igreja de priorizar o público jovem para tentar barrar a perda de terreno no campo religioso?
Hilário Dick – A pergunta fala de duas coisas: da Igreja que quer priorizar as juventudes, relacionando esse interesse à perda de terreno, por parte da Igreja Católica, no campo religioso. Como tal, são duas coisas diferentes, sem conexão. A pergunta até poderia ser preconceituosa ou apressada. É sabido que a opção preferencial pelos jovens, por parte da Igreja Católica da América Latina, vem da década de 1970. Uma opção que, por vezes, só ficou no discurso, mas foi e é uma prioridade. Se a pergunta não falasse da perda de terreno, mas de “pescar” vocações para o clero, a questão seria outra. Não se trata de “encher” a Igreja ou a sacristia, mas de mostrar ao mundo que a Igreja não perdeu a juventude. Seria um julgamento muito duro – embora isso possa acontecer – afirmar que a Igreja é interesseira no trabalho do anúncio da boa nova à juventude. A preocupação não é a perda, mas o anúncio. Uma grande questão são as formas que se defendem para realizar o anúncio que seja o de Jesus Cristo.
IHU On-Line – Os caminhos para tentar conquistar os jovens são os ideais? O que o jovem do século XXI busca em relação à fé e à pertença religiosa?
Hilário Dick – Se soubéssemos os caminhos ideais para “tentar conquistar” os jovens e as jovens, faltaria só investir. O que os estudos sobre a juventude dizem é que o/a jovem deseja ser feliz e, nesta felicidade, se inclui a pertença religiosa, ou não. Pelo que está emergindo da realidade juvenil, pode-se perceber que a felicidade das juventudes mora em cinco “espaços”: 1) a vivência grupal. Basta observar o que acontece em nossas cidades nos domingos à tarde; 2) a formação integral. As juventudes não querem só receber informações; estão em busca de uma formação; 3) uma boa organização. É muito preconceito pensar que o jovem quer viver sozinho. Ele e ela sabem que sozinhos vão para o ralo. O político faz parte da felicidade humana, também da juventude; 4) a atenção à sua especificidade. Passou o tempo em que o jovem é o mesmo. O termo “juventudes” é cada vez mais aceito. Apesar dos que defendem o “Setor Juventude” como forma de arregimentação (sem real respeito às diferenças), o discurso das “juventudes” está na rua; 5) o acompanhamento. O jovem não quer andar só. Ele ou ela quer caminhar com quem tem mais experiência, mais referências, mais buscas. A juventude é feliz caminhando com o adulto, comendo com ele o mesmo pão.
IHU On-Line – Como entender que é entre as pessoas com menos de 40 anos que a Igreja Católica mais perde terreno no Brasil? Para quem a Igreja dirige seu discurso?
Hilário Dick – Depende da forma como se olha o fenômeno: isso é perda ou é ganho? Não é questão de idade; é questão de “massa” e de “povo”; de pastoral de eventos ou de pastoral de processo. A grande conquista da humanidade coloca-se no caminho da autonomia, também na Igreja. Apesar de tudo que se pode ver, ainda não se toleram submissões. Apesar de o “império” neoliberal pensar e impor o contrário; apesar de vivermos, na Igreja Católica, os estertores de um autoritarismo, se a Igreja não souber viver e ajudar a construir o discurso da autonomia, não afastará somente os jovens, mas os fiéis em geral. O “discurso” deve ser para todos, mas a proposta de construção da autonomia precisa seguir o caminho da diversidade, onde prevaleça a postura do cuidado e não do controle.
IHU On-Line – Qual a importância da criação da Comissão Episcopal para a juventude?
Hilário Dick – Evidente que a resposta a ser dada é que a criação de tal Comissão, por parte da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, é uma coisa boa; não precisa ser “importante”, mas boa. Pode ser (e quer ser) um gesto de solicitude dos bispos do Brasil para com a juventude.
Contudo, podemos perguntar: a solicitude com as crianças não mereceria o mesmo tratamento? O cuidado com a família... A Comissão surge porque Rio de Janeiro será a sede da próxima Jornada Mundial da Juventude? O surgimento se deve ao atendimento às diversas “experiências”? A causa do surgimento seria o “cuidado”? Tempos atrás eu falava, embora se fale bastante – dentro e fora da Igreja –, de “cuidar”. O que se vive na Igreja e no trabalho com a juventude, hoje, não é bem isso, mesmo que o discurso seja outro. Mesmo em movimentos juvenis muito próximos a nós, o que vale não é o “cuidar”. Até se pode dizer que se ama errado. Cuidar de uma pessoa, especialmente de um/a jovem, não é cuidar de um boneco. Por vezes, quem “cuida” deseja que o cuidado seja como ele, seja como nós queremos que ele/a seja e não como ele/a sonha ser. Quem “cuida” respeita a autonomia, o protagonismo, a personalidade de cada um. Uma mãe que “cuida” não “abafa” o filho (ou filha). Deseja que ele/a seja ele/a. Dentro dessa “geografia” coloca-se a criação da Comissão Episcopal para a juventude.
Fica evidente que há uma tendência de resvalar do “cuidar” para o “controlar”. Há amor de pai/mãe, de educador/a, de evangelizador/a, de autoridade, de padre e bispo, de Igreja e de “movimento” que amam de tal jeito que, em vez de cuidarem, “controlam”. Quem controla não confia; quem controla deseja que o/a outro/a seja como nós e não como ele. Assim como a família, assim a escola, assim muitas instituições, também de Igreja; em vez de “cuidar”, “controlam”. A Igreja, a teologia, a pedagogia, a evangelização etc., em lugar de “cuidar”, “controlam” ou querem controlar. Não erramos se dissermos que ninguém foi feito para ser controlado. O controle não é da pedagogia de Deus.
IHU On-Line – O que o senhor pensa sobre o tema da Campanha da Fraternidade de 2013, que será fraternidade e juventude?
Hilário Dick – Sempre é mais urgente pensar e estudar a juventude. Há uma tendência eclesiástica de dizer que o conhecimento da realidade juvenil entra pelos poros. Todas as Campanhas da Fraternidade da Igreja Católica brasileira tem um “Texto Base” que se espalha por todas as paróquias e comunidades. Para quem se dedica ao estudo e à evangelização da juventude por muitos anos, claro que é uma alegria. Contudo, ter que ler o Texto Base apresentado sobre juventude e fraternidade, em 2013, é um fato que deve preocupar. Chamaria a atenção para três alertas a partir do estudo deste Texto. Um alerta sobre o paradigma que o texto segue: o paradigma da juventude como um problema; um alerta sobre a relevância que o texto dá à relação da juventude com a mídia, deixando de lado questões mais cruéis e tristes da realidade dos/as jovens; um alerta sobre a importância que se dá ao “recriar”, esquecendo lições muito ricas do passado que a história nos traz. Luis Carlos Susin dizia, em 2012 , recordando o significado do Vaticano II, que há uma dificuldade que agrava a consciência da relevância do Concílio e da sua recepção: a menor importância que se dá, hoje, na cultura à consciência histórica e crítica. Hoje não se pode estudar dogma, liturgia, direito, ética etc., sem a sua necessária dimensão histórica e seus contextos culturais. Sem história e sem contexto, a tendência é se tornar absolutista.
IHU On-Line – O que esperar da 28ª Jornada Mundial da Juventude, que ocorrerá no Rio de Janeiro, estado com o menor percentual de católicos (45,8%) e ponta de lança do movimento de pluralização religiosa e de aumento dos sem religião no país?
Hilário Dick – Poder-se-ia responder com outra pergunta: o que teve a ver a Jornada Mundial da Juventude, na Austrália (de poucos católicos) e, mesmo, com a de Madri, considerando que a juventude espanhola é uma das mais críticas da Europa com relação à Igreja? O sucesso, ou não, da Jornada no Rio de Janeiro tem pouco a ver com os problemas apontados. Quanto ao “o que se espera”, espera-se que a juventude seja respeitada (menos manipulada), seja acolhida, seja considerada; que o extermínio brasileiro de jovens seja conhecido por todo o mundo, que Jesus Cristo seja apresentado como Libertador, que se fomente uma espiritualidade comprometida com a realidade social, que não se fale só de Igreja, mas principalmente do Reino de Deus, que as juventudes dos continentes tenham voz e vez na Jornada e que a Igreja (Povo de Deus) veja que os/as jovens têm fome de um sagrado que não aliene.
IHU On-Line – Qual o sentido, para os jovens brasileiros, do o lema da Jornada “Ide e fazei discípulos entre todas as nações!”? Este lema estimula realmente para evangelização?
Hilário Dick – A grande novidade que o/a jovem vive é a saída de si mesmo. A juventude vive a epopeia do êxodo. Anunciar a Boa Nova é ser missionário, por vocação e não por mandato de alguém, nem da Igreja. A “missionaridade” faz parte da felicidade do ser humano e, de modo particular, da juventude. Pode-se perguntar se o lema é um convite ou uma ordem, mas isso depende de quem deseja falar algo de Deus. Quem convive com a juventude sabe que ela gosta de “sair de si mesmo”. E quem vive isso, o faz gratuitamente. O espírito missionário não se paga...
IHU On-Line – Em que a Igreja precisa melhorar para, realmente, acolher os jovens no contexto de mudança de época? A instituição está atenta aos sinais dos tempos?
Hilário Dick – Para dizer algo sobre as perguntas, diria: a) é preciso que ela (a Igreja) e toda a sociedade se encantem ou se reencantem pela juventude. Isso significa usar muitos verbos, mas podemos resumi-los em três: estudar, amar, estar presente. Para perceber o que está emergindo nas juventudes, estes verbos são fundamentais; b) caso não fizerem isso, nem a Igreja nem a sociedade estarão atentas aos sinais dos tempos que se manifestam em toda a parte e, de modo particular, na juventude, que é o sacramento da novidade ou, no dizer de Mannheim, fonte de renovação da sociedade. Estaremos diante de uma Igreja e de uma sociedade “velha” e que já sabe tudo.
IHU On-Line – A Igreja começa a dar sinais de investir na construção da autonomia do jovem?
Hilário Dick – A pergunta, segundo a conceituação do que se entenda sobre “investir na construção da autonomia”, pode ser bastante injusta, também pelo fato de a pergunta falar de “começar a dar sinais”. Por um lado, a Igreja “investiu” muito, há muito tempo, na juventude. Tome-se o caso da educação escolar; tome-se a importância que teve, na história, a “formação do caráter”, etc. Dependemos do que seja “investir” e do que se entende por “construção da autonomia”.
Precisamos considerar um dado histórico. Este dado diz que foi somente a partir de 1930 que começou a surgir efetivamente, nas Igrejas Católicas, um movimento de jovens que procurava ser protagonista e não “comandada” pelos adultos, procurando construir-se como sujeitos da história. Por que esse “fenômeno” demorou tanto para ficar evidente na sociedade e nas igrejas? Não existiria “protagonismo” das juventudes na história? A resposta deve ser: existia, mas não tinha condições de aparecer, nem na Igreja. Assim como a vivência da autonomia é um processo, a vivência do protagonismo juvenil também é um processo. Assim como o protagonismo sempre é uma conquista, o mesmo se deve dizer da autonomia.
Eclesiasticamente, podemos dizer que no cenário de Igreja (católica), no momento, o investimento na autonomia do jovem e do povo não clerical está em baixa. Em grande parte porque a mudança de paradigma carrega consigo inseguranças e diminuição da confiança nos “fiéis”. Daí o controle, o autoritarismo e o centralismo, que são reais e, por isso, o investimento na construção da autonomia do/a jovem é difícil e “perigosa”.
IHU On-Line – O que seria um discípulo missionário na concepção de um jovem brasileiro do século XXI?
Hilário Dick – Todo discípulo tem um Mestre que ama e ao qual segue. Se esse Mestre é Jesus Cristo, trata-se de sê-lo em qualquer tempo e em qualquer lugar. Ele veio para dar a vida e não para ser servido. Mostrou que a vida é vida verdadeira quando é uma vida doada. Ele saiu de si e toda pessoa que sai de si é missionário. Quem sai de si não fica velho... Quem sai de si carrega uma novidade a ser transmitida. Isso vale para todos os séculos.
No entanto, há coisas que precisam ser recordadas, repetidas... Assim também o espírito missionário que mora em nós. O que a gente ama sempre pode ser repetido sem ter a aparência de velho. O que a gente ama sempre é novo e a gente sempre vai procurar uma forma de fazer-nos compreender. Talvez custe, talvez não amemos o suficiente. O que a gente ama sempre é novo. Nova também é a pedagogia... Um/a brasileiro/a jovem, discípulo/a e missionário/a, é esta novidade mais profunda que existe na juventude e que vive, de fato, a epopeia do êxodo, da saída de si para a alteridade, da saída da escravidão para a liberdade que sempre aponta no horizonte, mas está, sempre, também em nós.
IHU On-Line – De que modo a juventude gostaria de exercer uma participação ativa na comunidade eclesial, de ser agente de transformação na sociedade, de ser protagonista da Civilização do Amor e do bem comum, como afirmam os objetivos da CF 2013?
Hilário Dick – A resposta é muito simples e muito ampla: sendo participantes! O que está em jogo é que esta participação não pode nem deve ser algo dado; deve ser uma descoberta e uma conquista. Por um lado, a sociedade teme esta “participação” porque o jovem incomoda; por outro lado, sempre existe a tentação da acomodação, de não sair de si mesmo, de ficar no casulo da individualidade egocêntrica. A juventude gostaria de ser respeitada em seu anseio de ela poder ser ela. Até deseja ser ajudada nesta epopeia de êxodo para a qual a vida a convida.
IHU On-Line – De modo geral, que análise o senhor faz da juventude hoje? Quem é o jovem do século XXI? Quais seus valores, medos e sonhos?
Hilário Dick – Ou se escreve um livro sobre isso ou a melhor resposta é o silêncio. Já que não convém silenciar, sei que a juventude quer ser respeitada e amada; sei que não existe juventude melhor ou pior; sei que falta muito para sabermos o que é ser jovem; sei que se deveria estudar mais juventude; sei que os valores da sociedade dependem dos valores que a juventude carrega dentro dela (mesmo sem saber); sei que os medos continuam sendo o desemprego, a violência e ser invisibilizado; sei que os sonhos dela são muito mais bonitos que nós imaginamos. Por fim, sei que a juventude do século XXI está pronta a parir realidades que sempre serão imprevisíveis, assim como é imprevisível uma pessoa que ama ou que odeia.
Confira a entrevista.
Instituto Humanistas Unisinos
“Se a Igreja não souber viver e ajudar a construir o discurso da ‘autonomia’, não afasta somente os jovens, mas os fiéis em geral”. A reflexão é de Hilário Dick (foto abaixo), jesuíta, que há 40 anos trabalha na evangelização da juventude. Segundo ele, o discurso religioso “deve ser para todos, mas a proposta de construção da autonomia precisa seguir o caminho da diversidade, onde prevaleça a postura do cuidado e não do controle”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, ele comenta a Jornada Mundial da Juventude, que acontece esse ano no Rio de Janeiro, e a Campanha da Fraternidade de 2013, que aborda a temática da juventude, enfatizando a necessidade de retomar a discussão acerca do cuidado e da autonomia dos jovens. “É preciso que a Igreja e toda a sociedade se encantem ou se re-encantem pela juventude. Isso significa usar muitos verbos, mas podemos resumi-los em três: estudar, amar, estar presente”, aponta. E ressalta: “Quem ‘cuida’, respeita a autonomia, o protagonismo, a personalidade de cada um. Uma mãe que ‘cuida’, não ‘abafa’ o/a filho/a. Deseja que ele/a seja ele/a. Dentro dessa ‘geografia’ coloca-se a criação da Comissão Episcopal para a juventude”.
Hilário Dick é graduado em Teologia pela Pontifícia Faculdade do Colégio Máximo Cristo Rei, e em Filosofia e em Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Mestre e doutor, também em Letras, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, é coordenador do Observatório Juvenil do Vale/Unisinos. Entre seus vários livros publicados, citamos Gritos silenciados, mas evidentes: jovens construindo juventude na história (São Paulo: Loyola, 2003) e Cartas a neotéfilo – Conversas sobre assessoria para grupos de jovens (São Paulo: Loyola, 2005). Junto de Carmem Lucia Teixeira e Lourival Rodrigues da Silva publicou Juventude: acompanhamento e construção de autonomia. É autor do Cadernos IHU número 18, intitulado Discursos à Beira dos Sinos. A emergência de novos valores na juventude: o caso de São Leopoldo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como você avalia a postura da Igreja de priorizar o público jovem para tentar barrar a perda de terreno no campo religioso?
Hilário Dick – A pergunta fala de duas coisas: da Igreja que quer priorizar as juventudes, relacionando esse interesse à perda de terreno, por parte da Igreja Católica, no campo religioso. Como tal, são duas coisas diferentes, sem conexão. A pergunta até poderia ser preconceituosa ou apressada. É sabido que a opção preferencial pelos jovens, por parte da Igreja Católica da América Latina, vem da década de 1970. Uma opção que, por vezes, só ficou no discurso, mas foi e é uma prioridade. Se a pergunta não falasse da perda de terreno, mas de “pescar” vocações para o clero, a questão seria outra. Não se trata de “encher” a Igreja ou a sacristia, mas de mostrar ao mundo que a Igreja não perdeu a juventude. Seria um julgamento muito duro – embora isso possa acontecer – afirmar que a Igreja é interesseira no trabalho do anúncio da boa nova à juventude. A preocupação não é a perda, mas o anúncio. Uma grande questão são as formas que se defendem para realizar o anúncio que seja o de Jesus Cristo.
IHU On-Line – Os caminhos para tentar conquistar os jovens são os ideais? O que o jovem do século XXI busca em relação à fé e à pertença religiosa?
Hilário Dick – Se soubéssemos os caminhos ideais para “tentar conquistar” os jovens e as jovens, faltaria só investir. O que os estudos sobre a juventude dizem é que o/a jovem deseja ser feliz e, nesta felicidade, se inclui a pertença religiosa, ou não. Pelo que está emergindo da realidade juvenil, pode-se perceber que a felicidade das juventudes mora em cinco “espaços”: 1) a vivência grupal. Basta observar o que acontece em nossas cidades nos domingos à tarde; 2) a formação integral. As juventudes não querem só receber informações; estão em busca de uma formação; 3) uma boa organização. É muito preconceito pensar que o jovem quer viver sozinho. Ele e ela sabem que sozinhos vão para o ralo. O político faz parte da felicidade humana, também da juventude; 4) a atenção à sua especificidade. Passou o tempo em que o jovem é o mesmo. O termo “juventudes” é cada vez mais aceito. Apesar dos que defendem o “Setor Juventude” como forma de arregimentação (sem real respeito às diferenças), o discurso das “juventudes” está na rua; 5) o acompanhamento. O jovem não quer andar só. Ele ou ela quer caminhar com quem tem mais experiência, mais referências, mais buscas. A juventude é feliz caminhando com o adulto, comendo com ele o mesmo pão.
IHU On-Line – Como entender que é entre as pessoas com menos de 40 anos que a Igreja Católica mais perde terreno no Brasil? Para quem a Igreja dirige seu discurso?
Hilário Dick – Depende da forma como se olha o fenômeno: isso é perda ou é ganho? Não é questão de idade; é questão de “massa” e de “povo”; de pastoral de eventos ou de pastoral de processo. A grande conquista da humanidade coloca-se no caminho da autonomia, também na Igreja. Apesar de tudo que se pode ver, ainda não se toleram submissões. Apesar de o “império” neoliberal pensar e impor o contrário; apesar de vivermos, na Igreja Católica, os estertores de um autoritarismo, se a Igreja não souber viver e ajudar a construir o discurso da autonomia, não afastará somente os jovens, mas os fiéis em geral. O “discurso” deve ser para todos, mas a proposta de construção da autonomia precisa seguir o caminho da diversidade, onde prevaleça a postura do cuidado e não do controle.
IHU On-Line – Qual a importância da criação da Comissão Episcopal para a juventude?
Hilário Dick – Evidente que a resposta a ser dada é que a criação de tal Comissão, por parte da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, é uma coisa boa; não precisa ser “importante”, mas boa. Pode ser (e quer ser) um gesto de solicitude dos bispos do Brasil para com a juventude.
Contudo, podemos perguntar: a solicitude com as crianças não mereceria o mesmo tratamento? O cuidado com a família... A Comissão surge porque Rio de Janeiro será a sede da próxima Jornada Mundial da Juventude? O surgimento se deve ao atendimento às diversas “experiências”? A causa do surgimento seria o “cuidado”? Tempos atrás eu falava, embora se fale bastante – dentro e fora da Igreja –, de “cuidar”. O que se vive na Igreja e no trabalho com a juventude, hoje, não é bem isso, mesmo que o discurso seja outro. Mesmo em movimentos juvenis muito próximos a nós, o que vale não é o “cuidar”. Até se pode dizer que se ama errado. Cuidar de uma pessoa, especialmente de um/a jovem, não é cuidar de um boneco. Por vezes, quem “cuida” deseja que o cuidado seja como ele, seja como nós queremos que ele/a seja e não como ele/a sonha ser. Quem “cuida” respeita a autonomia, o protagonismo, a personalidade de cada um. Uma mãe que “cuida” não “abafa” o filho (ou filha). Deseja que ele/a seja ele/a. Dentro dessa “geografia” coloca-se a criação da Comissão Episcopal para a juventude.
Fica evidente que há uma tendência de resvalar do “cuidar” para o “controlar”. Há amor de pai/mãe, de educador/a, de evangelizador/a, de autoridade, de padre e bispo, de Igreja e de “movimento” que amam de tal jeito que, em vez de cuidarem, “controlam”. Quem controla não confia; quem controla deseja que o/a outro/a seja como nós e não como ele. Assim como a família, assim a escola, assim muitas instituições, também de Igreja; em vez de “cuidar”, “controlam”. A Igreja, a teologia, a pedagogia, a evangelização etc., em lugar de “cuidar”, “controlam” ou querem controlar. Não erramos se dissermos que ninguém foi feito para ser controlado. O controle não é da pedagogia de Deus.
IHU On-Line – O que o senhor pensa sobre o tema da Campanha da Fraternidade de 2013, que será fraternidade e juventude?
Hilário Dick – Sempre é mais urgente pensar e estudar a juventude. Há uma tendência eclesiástica de dizer que o conhecimento da realidade juvenil entra pelos poros. Todas as Campanhas da Fraternidade da Igreja Católica brasileira tem um “Texto Base” que se espalha por todas as paróquias e comunidades. Para quem se dedica ao estudo e à evangelização da juventude por muitos anos, claro que é uma alegria. Contudo, ter que ler o Texto Base apresentado sobre juventude e fraternidade, em 2013, é um fato que deve preocupar. Chamaria a atenção para três alertas a partir do estudo deste Texto. Um alerta sobre o paradigma que o texto segue: o paradigma da juventude como um problema; um alerta sobre a relevância que o texto dá à relação da juventude com a mídia, deixando de lado questões mais cruéis e tristes da realidade dos/as jovens; um alerta sobre a importância que se dá ao “recriar”, esquecendo lições muito ricas do passado que a história nos traz. Luis Carlos Susin dizia, em 2012 , recordando o significado do Vaticano II, que há uma dificuldade que agrava a consciência da relevância do Concílio e da sua recepção: a menor importância que se dá, hoje, na cultura à consciência histórica e crítica. Hoje não se pode estudar dogma, liturgia, direito, ética etc., sem a sua necessária dimensão histórica e seus contextos culturais. Sem história e sem contexto, a tendência é se tornar absolutista.
IHU On-Line – O que esperar da 28ª Jornada Mundial da Juventude, que ocorrerá no Rio de Janeiro, estado com o menor percentual de católicos (45,8%) e ponta de lança do movimento de pluralização religiosa e de aumento dos sem religião no país?
Hilário Dick – Poder-se-ia responder com outra pergunta: o que teve a ver a Jornada Mundial da Juventude, na Austrália (de poucos católicos) e, mesmo, com a de Madri, considerando que a juventude espanhola é uma das mais críticas da Europa com relação à Igreja? O sucesso, ou não, da Jornada no Rio de Janeiro tem pouco a ver com os problemas apontados. Quanto ao “o que se espera”, espera-se que a juventude seja respeitada (menos manipulada), seja acolhida, seja considerada; que o extermínio brasileiro de jovens seja conhecido por todo o mundo, que Jesus Cristo seja apresentado como Libertador, que se fomente uma espiritualidade comprometida com a realidade social, que não se fale só de Igreja, mas principalmente do Reino de Deus, que as juventudes dos continentes tenham voz e vez na Jornada e que a Igreja (Povo de Deus) veja que os/as jovens têm fome de um sagrado que não aliene.
IHU On-Line – Qual o sentido, para os jovens brasileiros, do o lema da Jornada “Ide e fazei discípulos entre todas as nações!”? Este lema estimula realmente para evangelização?
Hilário Dick – A grande novidade que o/a jovem vive é a saída de si mesmo. A juventude vive a epopeia do êxodo. Anunciar a Boa Nova é ser missionário, por vocação e não por mandato de alguém, nem da Igreja. A “missionaridade” faz parte da felicidade do ser humano e, de modo particular, da juventude. Pode-se perguntar se o lema é um convite ou uma ordem, mas isso depende de quem deseja falar algo de Deus. Quem convive com a juventude sabe que ela gosta de “sair de si mesmo”. E quem vive isso, o faz gratuitamente. O espírito missionário não se paga...
IHU On-Line – Em que a Igreja precisa melhorar para, realmente, acolher os jovens no contexto de mudança de época? A instituição está atenta aos sinais dos tempos?
Hilário Dick – Para dizer algo sobre as perguntas, diria: a) é preciso que ela (a Igreja) e toda a sociedade se encantem ou se reencantem pela juventude. Isso significa usar muitos verbos, mas podemos resumi-los em três: estudar, amar, estar presente. Para perceber o que está emergindo nas juventudes, estes verbos são fundamentais; b) caso não fizerem isso, nem a Igreja nem a sociedade estarão atentas aos sinais dos tempos que se manifestam em toda a parte e, de modo particular, na juventude, que é o sacramento da novidade ou, no dizer de Mannheim, fonte de renovação da sociedade. Estaremos diante de uma Igreja e de uma sociedade “velha” e que já sabe tudo.
IHU On-Line – A Igreja começa a dar sinais de investir na construção da autonomia do jovem?
Hilário Dick – A pergunta, segundo a conceituação do que se entenda sobre “investir na construção da autonomia”, pode ser bastante injusta, também pelo fato de a pergunta falar de “começar a dar sinais”. Por um lado, a Igreja “investiu” muito, há muito tempo, na juventude. Tome-se o caso da educação escolar; tome-se a importância que teve, na história, a “formação do caráter”, etc. Dependemos do que seja “investir” e do que se entende por “construção da autonomia”.
Precisamos considerar um dado histórico. Este dado diz que foi somente a partir de 1930 que começou a surgir efetivamente, nas Igrejas Católicas, um movimento de jovens que procurava ser protagonista e não “comandada” pelos adultos, procurando construir-se como sujeitos da história. Por que esse “fenômeno” demorou tanto para ficar evidente na sociedade e nas igrejas? Não existiria “protagonismo” das juventudes na história? A resposta deve ser: existia, mas não tinha condições de aparecer, nem na Igreja. Assim como a vivência da autonomia é um processo, a vivência do protagonismo juvenil também é um processo. Assim como o protagonismo sempre é uma conquista, o mesmo se deve dizer da autonomia.
Eclesiasticamente, podemos dizer que no cenário de Igreja (católica), no momento, o investimento na autonomia do jovem e do povo não clerical está em baixa. Em grande parte porque a mudança de paradigma carrega consigo inseguranças e diminuição da confiança nos “fiéis”. Daí o controle, o autoritarismo e o centralismo, que são reais e, por isso, o investimento na construção da autonomia do/a jovem é difícil e “perigosa”.
IHU On-Line – O que seria um discípulo missionário na concepção de um jovem brasileiro do século XXI?
Hilário Dick – Todo discípulo tem um Mestre que ama e ao qual segue. Se esse Mestre é Jesus Cristo, trata-se de sê-lo em qualquer tempo e em qualquer lugar. Ele veio para dar a vida e não para ser servido. Mostrou que a vida é vida verdadeira quando é uma vida doada. Ele saiu de si e toda pessoa que sai de si é missionário. Quem sai de si não fica velho... Quem sai de si carrega uma novidade a ser transmitida. Isso vale para todos os séculos.
No entanto, há coisas que precisam ser recordadas, repetidas... Assim também o espírito missionário que mora em nós. O que a gente ama sempre pode ser repetido sem ter a aparência de velho. O que a gente ama sempre é novo e a gente sempre vai procurar uma forma de fazer-nos compreender. Talvez custe, talvez não amemos o suficiente. O que a gente ama sempre é novo. Nova também é a pedagogia... Um/a brasileiro/a jovem, discípulo/a e missionário/a, é esta novidade mais profunda que existe na juventude e que vive, de fato, a epopeia do êxodo, da saída de si para a alteridade, da saída da escravidão para a liberdade que sempre aponta no horizonte, mas está, sempre, também em nós.
IHU On-Line – De que modo a juventude gostaria de exercer uma participação ativa na comunidade eclesial, de ser agente de transformação na sociedade, de ser protagonista da Civilização do Amor e do bem comum, como afirmam os objetivos da CF 2013?
Hilário Dick – A resposta é muito simples e muito ampla: sendo participantes! O que está em jogo é que esta participação não pode nem deve ser algo dado; deve ser uma descoberta e uma conquista. Por um lado, a sociedade teme esta “participação” porque o jovem incomoda; por outro lado, sempre existe a tentação da acomodação, de não sair de si mesmo, de ficar no casulo da individualidade egocêntrica. A juventude gostaria de ser respeitada em seu anseio de ela poder ser ela. Até deseja ser ajudada nesta epopeia de êxodo para a qual a vida a convida.
IHU On-Line – De modo geral, que análise o senhor faz da juventude hoje? Quem é o jovem do século XXI? Quais seus valores, medos e sonhos?
Hilário Dick – Ou se escreve um livro sobre isso ou a melhor resposta é o silêncio. Já que não convém silenciar, sei que a juventude quer ser respeitada e amada; sei que não existe juventude melhor ou pior; sei que falta muito para sabermos o que é ser jovem; sei que se deveria estudar mais juventude; sei que os valores da sociedade dependem dos valores que a juventude carrega dentro dela (mesmo sem saber); sei que os medos continuam sendo o desemprego, a violência e ser invisibilizado; sei que os sonhos dela são muito mais bonitos que nós imaginamos. Por fim, sei que a juventude do século XXI está pronta a parir realidades que sempre serão imprevisíveis, assim como é imprevisível uma pessoa que ama ou que odeia.
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