Viomundo, 14 de abril de 2012
Investigar Cachoeira, uma ameaça à liberdade de expressão
Por Luiz Carlos Azenha
Por dever de ofício, li o texto de capa de revista que tenta provar que investigar os crimes do Carlinhos Cachoeira, no Congresso, é um atentado à liberdade de expressão.
O que chamou minha atenção foi a frase abaixo, que interpretei como defesa do uso de fontes-bandidas:
Qualquer repórter iniciante sabe que maus cidadãos podem ser portadores de boas informações. As chances de um repórter obter informações verdadeiras sobre um ato de corrupção com quem participou dele são muito maiores do que com quem nunca esteve envolvido. A ética do jornalista não pode variar conforme a ética da fonte que está lhe dando informações. Isso é básico. Disso sabem os promotores que, valendo-se do mecanismo da delação premiada, obtêm informações valiosas de um criminoso, oferecendo-lhe em troca recompensas como o abrandamento da pena.
Registre-se, inicialmente, a tentativa dos autores de usar os promotores de Justiça como escada. Tentam sugerir ao leitor que o esforço da revista, ao dar espaço em suas páginas a fontes-bandidas, equivale ao dos promotores de Justiça.
Sonegam que existe uma diferença brutal: os promotores de Justiça usam a delação premiada para combater o crime. Os criminosos que optam pela delação premiada têm as penas reduzidas, mas não são perdoados. E a ação ajuda a combater um mal maior. Um resultado que pode ser quantificado. O peixe pequeno entregou o peixe grande. Ambos serão punidos.
O mesmo não se pode dizer da relação de um jornalista com uma fonte-bandida. Se um jornalista sabe que sua fonte é bandida, divulgar informações obtidas dela não significa, necessariamente, que algum crime maior será evitado. Parece-me justamente o contrário.
O raciocínio que qualquer jornalista faria, ao divulgar informações obtidas de uma fonte que ele sabe ser bandida, é:será que não estou ajudando este sujeito a aumentar seu poder, a ser um bandido ainda maior, a corromper muito mais?
Leiam de novo esta frase: As chances de um repórter obter informações verdadeiras sobre um ato de corrupção com quem participou dele são muito maiores do que com quem nunca esteve envolvido.
Não necessariamente. Ele não tem qualquer garantia de que as informações são verdadeiras se vieram de um corrupto. Que lógica é esta?
O policial que não estava lá mas gravou a conversa que se deu durante um ato de corrupção provavelmente vai fornecer uma versão muito mais honesta sobre a conversa do que os corruptos envolvidos nela.
O repórter que lida com alguém envolvido em um ato de corrupção sabe, antecipadamente e sem qualquer dúvida, que a informação passada por alguém que cometeu um ato de corrupção atende aos interesses de quem cometeu o ato de corrupção. Isso, sim, é claro, não que as informações sejam necessariamente verdadeiras.
O repórter sabe também que, se os leitores souberem que a informação vem de alguém que cometeu um ato de corrupção, imediatamente perde parte de sua credibilidade. Não é por acaso que Carlinhos Cachoeira, o bicheiro, se transformou em “empresário do ramo de jogos”.
É por saber que ele era um “mau cidadão” que a revista escondeu de seus leitores que usava informações vindas dele. Era uma fonte inconfessável.
Não foi por acaso que Rubnei Quicoli, o ex-presidiário, foi apresentado como “empresário” pela mídia corporativa quando atendia a determinados interesses políticos em plena campanha eleitoral. A mídia corporativa pode torturar a lógica, mas jamais vai confessar que atende a determinados interesses políticos.
Carlinhos Cachoeira não é, convenhamos, nenhum desconhecido no submundo do crime. Vamos admitir que um repórter seja usado por ele uma vez. Mas o que dizer de um repórter usado durante dez anos, por uma fonte que ele sabe ser bandida?
Sim, porque o texto, sem querer, é também uma confissão de culpa: admite que a revista se baseou em informações de um “mau cidadão”. Ora, se a revista sabia tratar-se de um “mau cidadão” e se acreditava envolvida em uma cruzada moral para “limpar a sociedade” de “maus cidadãos”, não teria a obrigação de denunciá-lo?
Concordo que jornalistas não têm obrigação de dar atestado de bons antecedentes a todas as suas fontes.
Mas onde fica a minha obrigação de transparência com meus leitores se divulgo seguidamente informações que sei serem provenientes de um “mau cidadão”? Qual é o limite para que eu seja considerado parceiro ou facilitador do “mau cidadão”?
Se imperar, a lógica da revista será muito conveniente para aqueles policiais presos por associação ao crime.
Tudo o que terão de dizer, diante do juiz: “Ajudei a quadrilha de assaltantes de bancos, sim, doutor, matando e prendendo os inimigos deles. Mas foi para evitar um mal maior, meritíssimo: uma quadrilha que era muito maisbandida”.
À CPI, pois.
Sábado, 14 de Abril de 2012
O DISPOSITIVO ENTRA EM CENA
Passado o primeiro momento de perplexidade e catatonia, depois que savonarolas, bicheiros e jornalistas foram flambados nas próprias chamas, o dispositivo midiático demotucano se recompõe. A pasmaceira aos poucos recupera a afinação cúmplice de um coral de igreja: o importante no primeiro momento é confundir. A desempenadeira torta da suspeição entra em campo para nivelar partidos e reputações. A mensagem é martelada: a política é uma confederação de quadrilhas; todos os gatos são pardos.
Instalada a neblina, a hierarquia se inverte: o secundário se sobrepõe ao principal.Demóstenes & Cia são vítimas de uma estratégia do PT para encobrir o 'mensalão que Gilmar Mendes quer julgar antes das eleições municipais (leia-se: antes que Serra naufrague em SP). Sombra e luz, tudo a mesma coisa. Agora é fixar a versão: não há mais fatos. A versão diz que a verdadeira origem e destino da corrupção é o governo e o PT. A mídia vocifera e o judiciário togado de conservadorismo insolente pontua.
Nivelado o terreno, borbulha a cachoeira de recados. A chantagem se amolda ao veículo e ao grau de cinismo do emissor. Oscila da sutileza ao ranger descarado dos blindados golpistas. Mas a ameaça velada a Lula é uma só: 'E aí, vai encarar?'. Deveria. Dificilmente haverá outro momento tão pedagógico para desnudar o condomínio midiático-conservador que tem feito gato e sapato da democracia brasileira. Sempre em nome da ética.
Ano XII - Número 4487
CPMI do Cachoeira lista governadores e dono da Veja para explicar ligações com crime organizado
13/4/2012 14:21, Por Redação - do Rio de Janeiro e Brasília
Os governadores de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, e o dono da revista semanal de ultradireita Veja, Roberto Civita, além do senador Demóstenes Torres – que figura em primeiro lugar na lista dos convocados para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Cachoeira – deverão ser ouvidos no Congresso sobre as ligações que manteriam com o crime organizado no país. Segundo o deputado Fernando Ferro (PT/PE), Civita deverá ser convocado para explicar os cerca de 200 telefonemas trocados entre o redator-chefe da revista em Brasília, Policarpo Júnior, e o bicheiro Carlinhos Cachoeira. A CPI também deverá investigar os engavetamentos de investigações pelo Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, e as relações entre Demóstenes Torres e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.
Nas duas últimas semanas, o noticiário da revista tenta tergiversar com uma tentativa de trazer à pauta o noticiário do julgamento, no STF, que tende a inocentar vários dos acusados de integrar um possível sistema organizado de corrupção na Câmara e no Senado. A CPI também terá a oportunidade de verificar o que há por trás das denúncias que os veículos da mídia conservadora estabeleceram como “mensalão”, após a PF descobrir que haviam interesses nada republicanos, e sim, ao que tudo indica, de organizações criminosas com interesses escusos contrariados na série de denúncias que culminou, ainda no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na queda do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
Nos grampos efetuados pela PF e vazados para a imprensa, aparecem telefonemas de Cachoeira para Policarpo Júnior que levantam suspeitas de que o bicheiro encomendava matérias de seu interesse para lhe favorecer nos negócios ou prejudicar seus inimigos. Dono da empreiteira Delta, Fernando Cavendish também está na lista dos possíveis convocados para depor na CPMI do Cachoeira. Ele é amigo pessoal dos governadores Marconi Perillo (Goiás) e Sérgio Cabral Filho (Rio de Janeiro), responsáveis pela liberação de recursos milionários para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em seus Estados.
Na véspera, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, reafirmou a intenção do governo de investigar todas as denúncias que envolvem a Delta Construções, maior empreiteira do PAC e corrigir eventuais irregularidades. A empreiteira, com acesso franqueado aos governos estaduais do Rio de Janeiro e de Goiás, é citada na Operação Monte Carlo, que prendeu o bicheiro Cachoeira. O diretor regional de Brasília e Goiás, Cláudio Abreu, é apontado como integrante do esquema de Carlinhos Cachoeira.
– Isso vai ser investigado. De qualquer maneira, qualquer irregularidade terá de ser corrigida, como a gente sempre faz cada vez que elas são identificadas – disse a ministra.
A Delta Construções recebeu do governo de Marconi Perillo, entre janeiro de 2011 a março deste ano, R$ 151,5 milhões em contratos licitados, segundo informações do site ComprasNet, da Secretaria estadual de Gestão e Planejamento, e do Transparência Goiás. Em 2010, por sua vez, na gestão do então governador Alcides Rodrigues, a administração estadual pagou à Delta cerca de R$ 46,7 milhões em serviços de custeio para manutenção de atividades de instâncias de governo. O valor chega a ser oito vezes maior do que em 2009, quando a empresa recebeu apenas R$ 5,5 milhões.
Dos contratos realizados nos últimos 13 meses entre a Delta e o governo de Goiás, 11 deles foram com a Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop), principalmente para a execução de obras realizadas em rodovias. Dois outros convênios foram relacionados à secretaria estadual de Segurança Pública (SSP), referentes à locação de automóveis e a obras. No Estado do Rio, a empreiteira recebeu, em 2001, R$ 47 milhões, em 2002, R$ 61,8 milhões, em 2003, R$ 15,1 milhões, em 2004, R$ 76,1 milhões, em 2005, R$ 142,8 milhões, em 2006, R$ 163,9 milhões, em 2007, R$ 67,2 milhões, em 2008, R$ 126,8 milhões, em 2009, R$ 243,4 milhões, em 2010, R$ 554,8 milhões, em 2011, R$ 358,5 milhões e, até agora em 2012, R$ 138,4 milhões.
Na Prefeitura do Rio, a Delta também conseguiu fechar contratos milionários, entre 2008 e 2011, no total de R$ 420,2 milhões. Deste total, R$ 186,7 milhões na gestão do atual prefeito, Eduardo Paes (PMDB), em contratos com obras de urbanização e na locação de veículos e equipamentos de limpeza urbana. O último deles, fechado em agosto do ano passado, refere-se à implantação do Parque de Madureira, estimado em R$ 71 milhões. O restante foi pago à Delta Engenharia na administração do ex-prefeito Cesar Maia (DEM), que também deverá ser chamado a depor na CPMI do Cachoeira.
A Delta também foi acusada de praticar preços escorchantes na construção da nova sede do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), no antigo prédio do Jornal do Brasil, do qual foi diretor o atual secretário de Saúde do governo Cabral, Sérgio Côrtes. Em agosto do ano passado, a Controladoria Geral da União (CGU) recomendou à direção do Into que exija da empreiteira a imediata “devolução dos valores pagos com sobrepreço e dos serviços executados em duplicidade”. Segundo denúncia do site Consultor Jurídico, o relatório da CGU encontrou um sobrepreço estimado em R$ 23,5 milhões no custo da segunda etapa da construção do hospital.
A queda do Demóstenes e a estratégia do financismo
13/4/2012 14:20, Por Paulo Kliass
O naufrágio político que acometeu o Senador Demóstenes Torres tem sido comemorado por todos aqueles que identificavam naquele parlamentar a encarnação do falso moralismo e do discurso conservador. Ele se revelava como o representante típico de parcela das elites que haviam sido parcialmente deslocadas do centro do poder, desde 2003 em nosso País.
Eleito pelo Estado de Goiás, marcou sua atuação como um dos mais fiéis integrantes da tropa de choque da oposição aos governos de Lula e Dilma. Iniciou sua carreira no Senado Federal, exatamente no momento em que a coalizão liderada pelo PT ganhava as eleições presidenciais. Quis a ironia do destino que o “ardoroso defensor da ética e da moralidade” viesse a ser denunciado por práticas ilícitas com o mesmo personagem que esteve na base das primeiras denúncias que levaram ao escândalo do mensalão e à renúncia de José Dirceu. O conhecido e pluripartidário Carlinhos Cachoeira.
Ascensão e queda de Demóstenes
O destrambelhamento do parlamentar – eleito pelo antigo PFL, reconvertido ao DEM e agora sem legenda – reflete de forma adequada a incapacidade da oposição conservadora em encontrar um prumo para balizar sua ação política e sua estratégia eleitoral. Girando de forma aleatória, feito biruta de aeroporto, esses indivíduos parecem se deixar levar pelas correntes de vento e não conseguem traçar uma rota para si mesmos. E encontram na benevolência dos grandes órgãos de comunicação uma tábua de salvação para orientar sua ação no cotidiano. Tudo se passa como se a grande imprensa terminasse por dar a linha de ação dessa oposição, ainda sempre tão saudosa dos tempos da hegemonia neoliberal.
Mas quando a situação de Demóstenes esquentou, esse passado de ajuda foi esquecido num piscar de olhos. Dos píncaros da glória ao rés do chão do ostracismo, tudo foi uma questão de horas. Isolamento das demais forças da direita oposicionista, ameaça de expulsão de seu próprio partido e sério risco de perda do mandato. E dá-lhe as TVs e os jornais a reforçarem as denúncias contra aquele que sempre havia contado com seu apoio para chegar aonde tinha chego, pelo menos até anteontem. Até o momento, não consegui encontrar uma única notinha do tipo “erramos”, uma desculpa mínima a respeito de tanta propaganda enganosa, levada aos leitores desde o início de 2003.
É longa a lista das sucessivas derrotas sofridas por esses representantes políticos durante os últimos tempos. Por exemplo: i) eleição presidencial em 2010; ii) não reeleição de lideranças como Senador Arthur Virgílio (AM); iii) ruptura da turma liderada por Kassab e criação do neo-governista PSD. Com isso, a estratégia do financismo teve que sofrer alguns ajustes de conduta.
Até então, a tarefa de bater duro e publicamente no governo vinha pelo lado de tais personagens. Isso porque é sempre necessário e interessante desgastar um governo no qual eles não se sentem assim tão confortavelmente representados. Por mais que os sucessivos governos, desde a estréia de Lula na Presidência e Demóstenes no Senado, tenham desenvolvido políticas econômicas conservadoras e atendido às demandas do capital financeiro, parece evidente que não se trata de um governo composto de pessoas de total confiança da banca. Que saudades de um Palocci ou de um Henrique Meirelles…
A estratégia do financismo
Ora, na impossibilidade de fazer ecoar suas pretensões pela boca de parlamentares autênticos na defesa do manual de sobrevivência do financismo, os representantes do capital financeiro ampliam sua penetração pelos órgãos de comunicação. Artigos, colunas, editoriais, pauta de reportagens especiais. Por aí são destilados os venenos em pequenas doses ou lançados os petardos retumbantes contra o governo e suas tentativas mais recentes de operar mudanças em alguns detalhes da orientação da política econômica. Tudo se passa como se os oráculos do capital financeiro estivessem a bradar, temendo que sua mamata esteja chegando ao fim. Na verdade, eles mesmos sabem que não é bem assim. Afinal, como diz a letra do funk, ainda “tá tudo dominado”. Eles não têm muito com o que se preocupar no essencial. Mas que eles devem ter umas saudades enormes do tempo da ortodoxia plena e radical, de antes de 2008, disso não existe a menor dúvida.
Uma linha de atuação é a tentativa de desacreditar a política econômica em termos gerais. De acordo com essa argumentação, o governo estaria promovendo uma grande enganação contra nossa sociedade, pois as premissas básicas do Plano Real e da estabilidade econômica teriam sido abandonadas, sem que ninguém percebesse. E tentam fazer seu alerta, fazendo uso de seu catastrofismo de plantão, que lhes é tão peculiar quando têm seus interesses contrariados. Terrível: o tripé do Plano Real de 1994 teria desaparecido. Senão, vejamos: i) o regime de metas de inflação não existe mais, pois o governo não se preocupa com o centro da meta; ii) o regime de liberdade cambial também é inexistente, pois o governo vive intervindo no mercado de câmbio e não deixa a taxa se afundar de vez, como os especuladores gostariam; iii) o regime de superávit primário seria para inglês ver, pois a gastança pública continuaria a todo vapor. Por dever de ofício, sou obrigado a dar o contraponto.
Como se pode perceber, são argumentos risíveis, típicos do sujeito que se encontra encostado no canto do ringue e não vê saída a curto prazo. Como a realidade demonstra outra coisa, ele abusa do recurso à retórica e cai no descrédito. Ora, o regime de inflação está muito bem mantido, sim senhor. Como sempre esteve desde o início, com um intervalo de 2 pontos percentuais para baixo e para cima do centro da meta, atualmente fixada em 4,5% ao ano. Em nenhum momento desses 18 anos a meta foi deixada de lado. A crítica generalizada da sociedade ao processo de valorização de nossa moeda, o real, existe exatamente pelo fato do governo manter um pé preso na crença da liberdade cambial. Na verdade, o governo deveria mesmo é abandonar essa ilusão e estabelecer mecanismos de controle sobre o fluxo de capital financeiro especulativo. A maioria do País agradeceria e os escribas do financismo, aí sim, teriam razão em sua choradeira, hoje ainda injustificada.
Quanto ao superávit primário, tampouco há dúvida a respeito de sua vigência plena e absoluta. Quase a metade do Orçamento da União de 2012 está comprometida com rubricas financeiras e os representantes do governo se orgulham, a cada instante, em bater no peito, todos orgulhosos de seus compromissos com a responsabilidade fiscal.
Inconformados com a concorrência
Mas o que parece estar realmente incomodando a banca privada é a decisão recente da Presidenta Dilma de obrigar os bancos federais – Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal (CEF) – a reduzirem seus “spreads” e oferecerem taxas de juros menos abusivas aos seus clientes. Aliás, a primeira questão que chama a atenção, nesse debate, é o fato dos sucessivos governos eleitos pelo PT terem esperado quase uma década para tomar uma decisão tão simples e ordinária como essa! E, em mais uma dessas coincidências da história, foi necessário que o Demóstenes caísse em desgraça política, mais de 9 anos depois de sua estréia no Senado, para que o governo resolvesse começar pelo óbvio. Baixar os juros.
Afinal, não se trata de nenhuma medida “revolucionária” ou desestruturadora do sistema financeiro. Nada disso! Aliás, o BNDES pratica linhas de crédito a juros reduzidos para os grandes conglomerados há muito tempo. E ninguém reclama. Agora, apenas foi recomendado aos bancos subordinados ao governo federal que deixassem de atuar como agentes comerciais privados e passassem a se comportar como rezam seus estatutos: instituições públicas. Simples assim. Ah, mas isso a banca privada não agüenta. Onde é que já se viu? Agora eles sendo obrigados a se adaptar à concorrência promovida pelo setor público e sendo obrigados a reduzir suas margens de ganho fácil? Que absurdo, não é mesmo?
E como não têm mais tantas vozes cativas, como a de Demóstenes, para proferir os discursos que desejariam ecoar no Parlamento, continuam a investir nas tintas e nas telas. A última safra de artigos procura mostrar que não são os elevados “spreads” que mantêm as taxas de juros das operações de crédito nas alturas. A culpa é dos impostos, da alta inadimplência, do custo Brasil e por aí vai. E que, portanto, (reparem na sofisticação do argumento!), o governo estaria promovendo uma “concorrência desleal e irresponsável” ao baixar “artificialmente” a taxa de juros na ponta do balcão do BB e da CEF. Ou seja, criando insegurança e gerando incerteza no mercado financeiro.
É risível, concordo. Mas não subestimemos a capacidade de reação, de influência e de “lobby” dos representantes desse setor junto aos tomadores de decisão. O governo precisa ainda avançar muito no detalhamento e regulamentação desse tipo de postura, para garantir que a taxa de juros baixe para o tomador no balcão e seja um fator de concorrência, obrigando finalmente os bancos privados a trilharem o mesmo caminho. Uma necessidade, por exemplo, é assegurar condições plenas de portabilidade aos correntistas e oferecer ampla transparência a respeito das taxas e condições oferecidas pelas instituições do mercado financeiro.Veremos.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
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