Lista de Furnas: Fraude de R$ 39,9 milhões ainda não deu cadeia para tucanos - Viomundo
publicado em 6 de janeiro de 2014 às 15:56
O deputado estadual Rogério Correia, que levou xerox da lista à Polícia Federal
Alckmin, Aécio e Serra ficaram livres da Lista de Furnas
Por Lúcia Rodrigues, em Belo Horizonte, especial para o Viomundo*
Quem pensa que o mensalão do PSDB é o único esquema de corrupção do
partido que está impune, se engana. A sigla está envolvida em pelo menos
outro escândalo de desvio de recursos que não foi julgado até agora,
apesar de a Polícia Federal ter atestado a autenticidade do
documento-chave para a denúncia.
O mensalão tucano, recorde-se, ajudou a financiar a campanha de 1998,
quando Fernando Henrique Cardoso se reelegeu ao Planalto e Eduardo
Azeredo, do PSDB, foi derrotado na disputa pelo governo de Minas Gerais
por Itamar Franco.
Nas eleições de 2002, os tucanos promoveram outra forma de
arrecadação de recursos para financiar suas campanhas e as de seus
aliados. O esquema previa o repasse de dinheiro por meio de licitações
superfaturadas da empresa Furnas Centrais Elétricas S.A.
Na ocasião, Aécio Neves era candidato a governador de Minas, Geraldo
Alckmin concorria em São Paulo — ambos foram eleitos — e José Serra
disputava com Lula o Planalto.
A chamada Lista de Furnas, como ficou conhecida a estratégia de
financiamento montada pelos tucanos, rendeu milhões de reais para
financiar campanhas. Denúncia da Procuradoria da República no Estado do
Rio de Janeiro classifica o esquema como criminoso.
O delator do mensalão tucano, Nilton Monteiro, que também é o
responsável pelo vazamento de informações sobre a lista, informou à
procuradora Andréa Bayão Pereira, autora da ação do MPF, que os recursos
eram controlados em um fundo (caixinha).
A Lista de Furnas, documento de cinco páginas assinado por Dimas
Fabiano Toledo, à época diretor de Planejamento, Engenharia e Construção
de Furnas e operador do esquema, traz os nomes de mais de 150 políticos
beneficiários, assim como uma centena de empresas financiadoras. No
alto de cada folha se lê a advertência: confidencial.
“Esses recursos eram controlados em um fundo formado com valores
obtidos junto às diversas empresas que mantinham contratos com Furnas”
afirma Nilton Monteiro em seu depoimento à procuradora. Ele explica que
os empresários que queriam atuar em Furnas tinham de contribuir com esse
fundo. “Caso contrário não conseguiriam realizar nenhum contrato na
empresa estatal.”
O deputado estadual Rogério Correia (PT-MG), primeiro a entregar uma
cópia da Lista de Furnas à Polícia Federal, conta como o esquema
funcionava.
Ele obteve o xerox do documento com o delator do mensalão tucano.
“Quando ele me passou a Lista de Furnas, eu tomei um susto”, relata.
O laudo da Polícia Federal atesta que o documento é autêntico. O pedido de perícia foi feito pelo parlamentar.
“Na época o Nilton Monteiro, e até hoje provavelmente, não ficou
satisfeito comigo. A intenção dele não era entregar (a lista) à Polícia
Federal. Ele tinha aquilo para fazer suas negociações com o lado de lá”,
afirma ao se referir às tentativas do delator de arrancar vantagens dos
ex-aliados tucanos.
Nilton Monteiro, que trabalhou com o empresário Sergio Naya,
ex-deputado federal por Minas Gerais, operava nos bastidores da política
do estado e tinha intimidade com figuras importantes do ninho tucano
nas Alterosas.
Desvio de milhões de reais
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, então candidato ao cargo,
o ex-governador José Serra, que disputava a Presidência da República, e
o senador Aécio Neves, à época candidato ao governo de Minas Gerais,
foram os principais beneficiários do esquema de corrupção milionário do
PSDB.
Pela lista, Alckmin foi quem mais recebeu recursos: R$ 9,3 milhões,
R$ 3,8 milhões distribuídos no primeiro turno e R$ 5,5 repassados no
segundo. Serra foi beneficiado com R$ 7 milhões, R$ 3,5 vieram no
primeiro turno e o restante no segundo. Aécio aparece como beneficiário
de R$ 5,5 milhões, quantia repassada em uma única parcela.
Alckmin e Aécio foram eleitos, Serra perdeu a eleição para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB) e o deputado
federal José Aníbal (PSDB), que disputavam uma cadeira no Senado pelo
Rio e por São Paulo, respectivamente, receberam R$ 500 mil cada um.
Eduardo Azeredo (PSDB), ex-governador de Minas e então candidato ao
Senado, recebeu R$ 550 mil. Já o candidato a outra vaga no Senado por
Minas, Zezé Perrella (PSDB-MG), pai do deputado estadual Gustavo
Perrella (SDD-MG), dono da empresa proprietária do helicóptero
apreendido pela Polícia Federal, no Espírito Santo, com quase meia
tonelada de cocaína, foi beneficiado com R$ 350 mil.
Ao lado do nome de Zezé Perrella e do montante repassado aparece a
informação entre parênteses: autorização de Aécio Neves. Esse é o único
caso em toda a lista em que se encontra esse tipo de anotação.
O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSDB), candidato a deputado federal à
época, foi beneficiário de R$ 250 mil. O ex-prefeito de São Paulo,
Gilberto Kassab (PSD), que também disputava uma cadeira na Câmara dos
Deputados, recebeu R$ 100 mil.
Luiz Antonio Fleury Filho, ex-governador de São Paulo, eleito na
época deputado federal pelo PTB, também se beneficiou do mesmo valor.
Quantia equivalente foi entregue ao filho do ex-delegado da Polícia
Federal Romeu Tuma, o ex-deputado federal Robson Tuma (PTB-SP), assim
como ao ex-presidente da Força Sindical e ex-deputado federal Luiz
Antonio de Medeiros (PL-SP). Ao senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP)
foram destinados R$ 50 mil.
Antonio Carlos Pannunzio, eleito em 2012 prefeito de Sorocaba,
aparece na lista como recebedor de R$ 100 mil para sua campanha a
deputado federal.
O delator do mensalão petista, o ex-deputado Roberto Jefferson
(PTB-RJ), também foi beneficiado pelo esquema de corrupção tucano.
Recebeu R$ 75 mil.
Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão petista, recebeu R$ 250 mil do PSDB por meio do desvio fraudulento de recursos.
O capitão do Exército e deputado federal pelo Rio de Janeiro, Jair
Bolsonaro (PP), crítico dos direitos humanos e árduo defensor da
ditadura militar, foi beneficiado com R$ 50 mil do esquema corrupto
desencadeado pelos tucanos.
Andrea Neves, irmã do senador Aécio Neves, também recebeu R$ 695 mil,
para repassar a comitês e prefeitos do interior do Estado de Minas
Gerais.
O deputado Rogério Correia explica que além do laudo da Polícia
Federal atestando a veracidade da Lista de Furnas, há também o relatório
da Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, de janeiro de
2012, que chegou à mesma conclusão por outras vias.
Empreiteiras e bancos
As construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão,
OAS e Odebrecht são algumas das empreiteiras que financiaram o esquema
de corrupção do PSDB. O Banco do Brasil, Bank Boston, Bradesco, Caixa
Econômica Federal, Itaú, Opportunity e Rural são algumas das
instituições financeiras que, segundo a lista assinada por Dimas Toledo,
injetaram dinheiro no esquema.
A Alstom e a Siemens, envolvidas mais recentemente no esquema de
superfaturamento de trens do Metrô e da CPTM comprados pelo governo
tucano paulista, são citadas na lista. As agências de publicidade de
Marcos Valério, DNA e SMP&B, também contribuíram.
Petrobras, Vale do Rio Doce, CSN, Mitsubishi, Pirelli, Eletropaulo,
Gerdau, Mendes Júnior Siderúrgica, General Eletric e Cemig figuram entre
a centena de empresas públicas e privadas que aparecem como
financiadoras.
Os fundos de previdência privada dos funcionários da Petrobras, do
Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, respectivamente, Petros,
Previ e Funcef também são mencionados. A Federação das Indústrias do Rio
de Janeiro, Firjan, foi outra que destinou recursos para o esquema
tucano, de acordo com o documento.
O Tribunal de Contas da União analisou contratos de Furnas e detectou
direcionamento em favor de determinadas empresas, além de
superfaturamento nas licitações.
Uma auditoria da Controladoria Geral da União, realizada em 2006,
constatou falhas no processo licitatório de Furnas: fraudes,
desperdícios e abusos, além de projetos anti-econômicos e inadequados às
necessidades da empresa.
Mesmo com todas as evidências, o processo sobre a Lista de Furnas está parado, segundo o deputado Rogério Correia.
O esquema operado por Dimas Toledo o fazia tão poderoso que Aécio
Neves, eleito governador de Minas em 2002, negociou com o então
presidente Lula a permanência de Toledo na direção de Furnas.
“O que deixou a bancada do PT bastante insatisfeita, porque Dimas
Toledo arquitetava tudo contra o PT, especialmente no sul de Minas”,
frisa o deputado Correia.
Curiosamente, o filho de Dimas Toledo, Dimas Fabiano Toledo Jr., deputado estadual em Minas, aparece na lista como tendo recebido R$ 250 mil.
Gênese do mensalão petista
A lista de Furnas revela financiamento “democrático”. Embora
organizada por gente ligada ao PSDB, irrigou as campanhas de uma ampla
base de políticos, de vários partidos. Em tese, seriam aqueles que
dariam sustentação parlamentar a um eventual governo de José Serra, não
tivesse o paulista sido derrotado por Lula em 2002.
Apesar da derrota de Serra, Alckmin e Aécio se elegeram governadores,
garantindo a influência política dos tucanos em dois estados-chave da
federação.
A “democracia” na hora de destinar verbas de campanha, expressa na
lista de Furnas, não era exatamente uma novidade nos esquemas de Minas
Gerais.
Em 1998, mais de 30 candidatos do Partido dos Trabalhadores no estado
foram beneficiados com recursos do outro esquema do PSDB, o “mensalão
tucano” — que a mídia corporativa já chamou de “mensalão mineiro”.
Relatório da Polícia Federal, de 172 páginas, sobre o mensalão do
PSDB aponta que os candidatos do PT receberam R$ 880 mil pelo esquema.
Rogério Correia é contundente na crítica aos colegas de partido.
“Pra acertar contas de campanha, receberam recursos de Eduardo
Azeredo, já no esquema do mensalão. Isso teria sido negociado via
Walfrido dos Mares Guia… Achei isso lamentável. O PT já começava naquela
época a ter uma relação com a instituição onde se confundia com as
artimanhas que a institucionalidade coloca, com o cretinismo da
institucionalidade”, alfineta.
Para Correia, o PT acreditou que a impunidade que existia para o PSDB iria existir também para o partido.
“Isso é uma ilusão. A palavra melhor é ilusão de classes… O PT
‘quebrou a cara’ por uma visão errada do ponto de vista ideológico de
setores do partido que acham que a luta de classes acabou… Isso é uma
ilusão terrível que tem dentro do PT”, fustiga.
Pela semelhança entre o esquema do assim chamado “mensalão tucano” e o
que seria revelado mais tarde, envolvendo o PT, Rogério Correia critica
a atuação tanto do Supremo Tribunal Federal, quanto do Ministério
Público Federal.
As duas instituições, diz o deputado, deram tratamento diferenciado aos partidos envolvidos.
Rogério Correia exemplifica com o caso do publicitário Marcos Valério.
No mensalão petista, foi julgado em Brasília, apesar de não ter mandato e, portanto, foro privilegiado.
O julgamento conjunto teria facilitado a apresentação da tese de uma
grande conspiração para comprar apoio político no Congresso,
possibilitanto assim condenar um número maior de réus, inclusive os
acusados de liderarem o esquema: o ex-ministro da Casa Civil José
Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoíno e o ex-tesoureiro do partido
Delúbio Soares.
Já no mensalão tucano o tratamento dispensado a Valério foi muito diferente.
O absurdo maior é que, segundo Rogério Correia, Valério trabalhou ao mesmo tempo para os dois partidos.
“Operava para o PSDB em Minas e para o PT nacionalmente. O mesmo
esquema de caixa dois era usado pelos dois partidos. Olha o absurdo”,
afirma.
A opção ideológica do Supremo Tribunal Federal e do Ministério
Público Federal é, na opinião de Rogério Correia, o fator que impediu a
apreciação do relatório assinado pelo delegado da Polícia Federal Luís
Flávio Zampronha de Oliveira, que investigou o mensalão tucano.
O relatório oferece, segundo Correia, provas muito mais contundentes
de que, no caso do PSDB, houve uso de dinheiro público para financiar
campanhas eleitorais.
O dinheiro saia de estatais mineiras como a empresa de energia Cemig e a de saneamento Copasa.
No mensalão petista até hoje se discute se o dinheiro da Visanet, que teria abastecido o esquema, era público ou privado.
Pior que isso foi o tratamento desigual para iguais.
No caso dos tucanos, o processo foi desmembrado. Os políticos que
receberam dinheiro do esquema escaparam. Considerou-se que eram
beneficiários de caixa dois.
Ficaram para julgamento em Brasília apenas os operadores que tinham
foro privilegiado, dentre eles o ex-presidente do PSDB e hoje senador
Eduardo Azeredo, que aguarda julgamento.
Também foram denunciados na capital federal o ex-vice governador de
Minas e hoje senador, Clésio Andrade, e o ex-ministro do governo Lula
Walfrido Mares Guia, que deve ser beneficido por prescrição por causa da
idade.
Rogério Correia refuta a expressão “mensalão”, cunhada por Roberto Jefferson, delator do esquema petista.
Para o deputado mineiro, os dois esquemas envolveram caixa dois para
sustentação de campanhas eleitorais — e não para a compra de votos.
“Também eles [base aliada do PSDB] votavam com o governo, sempre
votaram com o Azeredo, na Assembleia Legislativa, e com o Fernando
Henrique, na Câmara Federal, como é o caso do Aécio Neves. Se é pra
dizer que era compra de votos, todos seriam…”, ressalta.
Ele não nutre expectativa em relação à punição de políticos do PSDB.
Lembra que o ex-presidente da Câmara, deputado federal João Paulo
Cunha (PT-SP) foi condenado pelo STF tendo como principal prova o fato
de que a mulher do parlamentar fez um saque em dinheiro na boca do
caixa; já políticos do PSDB que receberam dinheiro do mensalão tucano
diretamente em suas contas, com comprovantes de depósito e tudo, ficaram
livres do processo.
*A repórter Lúcia Rodrigues viajou a Minas graças ao financiamento dos assinantes do Viomundo. Junte-se a eles clicando aqui.
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