Yuri Franco: Direita quer diluir reivindicações para não pagar a conta - Viomundo
publicado em 20 de junho de 2013 às 10:49
As pautas justas dos atos e como resistir à tentativa de desvirtuá-las
por Yuri Soares Franco*
Nos últimos dias o Brasil tem sido sacudido por manifestações em
diversas cidades. Como centelha inicial está a questão do transporte
público, causadas pelo aumento da tarifa do transporte coletivo em
várias cidades. Esta é uma reivindicação justíssima, e inclusive a
revogação dos aumentos é apenas uma pauta imediata. Há uma discussão
antiga e profunda sobre a questão do financiamento do transporte
coletivo, que hoje serve basicamente como ferramenta de lucro de alguns
empresários.
Ao irem às ruas, surgiram também críticas decorrentes da violência
policial. A Polícia Militar, como a conhecemos hoje, foi construída ao
longo do tempo para ser exatamente isso: instrumento de controle da
população e de defesa da propriedade. Isso também não é exclusividade do
Brasil. Recentemente, ao ser questionado sobre a repressão violenta da
polícia aos manifestantes na Turquia, o primeiro ministro turco
respondeu que sua polícia utilizava os mesmos mecanismos repressivos que
a polícia dos Estados Unidos e dos países europeus. Nesse ponto, ele
tinha razão.
Infelizmente a mídia e a direita (o que é um pleonasmo), após
inicialmente chamarem os manifestantes de vândalos e baderneiros,
resolveram fazer uma virada espetacular de opinião e passaram a
apoiá-los.
O problema é que esse apoio tem um objetivo muito claro: diluir as
bandeiras legítimas dos movimentos ao mesmo tempo em que tentam inserir
as suas pautas reacionárias e tentam capitalizar o movimento para os
seus objetivos sórdidos.
Esta virada foi sendo colocada quando a seguinte palavras de ordem
foi sendo posta: “não é por centavos”. A partir do momento em que a
pauta principal e inicial do movimento foi sendo escanteada, abriu-se
espaço para que todo tipo de pauta fosse incluída: “contra isso tudo que
está aí”, “contra a corrupção” de maneira vaga e despolitizada, “contra
os impostos”, e até as mais recentes que já circulam nas redes sociais,
como “contra a ditadura gay” e “pelo impeachment da Dilma”.
Os slogans também foram sendo usados de forma a despolitizar. O pior deles é “O gigante acordou”**.
Este slogan é complicadíssimo. Carregado de ufanismo, ele simplesmente
tenta jogar para a vala do esquecimento os séculos de lutas e
resistências do povo brasileiro: os índios e suas guerras de
resistência, os negros e seus quilombos, os movimentos feministas e suas
marchas, a classe trabalhadora e suas greves, os trabalhadores rurais e
suas ocupações, o movimento estudantil e suas manifestações…
Para os setores reacionários nenhuma dessas lutas vale, já que sempre estiveram do outro lado, dos exploradores, da elite.
Há um discurso nestes setores, de que “é necessário acabar com o pão e
circo”. Precisamos rechaçar fortemente esse discurso, pois o que eles
chamam de “política do pão e circo” são os avanços que tivemos nos
últimos anos. Eles querem acabar com as políticas sociais de
distribuição de renda, com as cotas sociais e raciais, com a política de
valorização do salário mínimo e da massa salarial da classe
trabalhadora em geral, com os direitos trabalhistas que as empregadas
domésticas ganharam recentemente.
Dentro dos palácios temos os governantes, que não souberam negociar e
até o momento ainda se mostram atônitos. Utilizam argumentos técnicos,
quando o seu papel é fazer política, em outras palavras, procurar meios
para atender às pautas populares. Não é possível governar apenas com
gestão sem discutir os rumos da sociedade.
Há também uma demanda reprimida da população por participação. Esse
sistema político atual, com financiamento privado, favorece a corrupção,
uma vez que os financiadores das campanhas cobram depois o retorno dos
seus “investimentos”. Também afasta a população das decisões relevantes
das cidades, dos estados e do país. É preciso então discutir uma
profunda reforma política, que dê voz e espaço aos setores excluídos da
política institucional.
Como resistir à tentativa de sequestro dos atos?
Precisamos primeiramente compreender que a gênese desses movimentos é
progressista e tem como pautas problemas concretos da vida das pessoas.
No entanto há uma operação da mídia e da direita de desvirtuá-los e
transformar os manifestantes em massa de manobra para setores da elite
que não pretendem avançar, mas sim retroceder nos direitos da maioria da
população.
É preciso que os manifestantes “antigos”, que já estão nas lutas e
nas ruas há muito tempo em defesa das pautas progressistas, se somem aos
atos e disputem sua linha, para que o tom seja pela conquista de novos
direitos, sem abrir mão do que já foi conquistado.
Para os manifestantes novos: sejam bem-vindos à luta!
A única compreensão que eu lhes peço é que entendam o motivo que
torna impossível “todos darmos as mãos por uma causa só, independente
das diferenças”. Há, como sempre houve, a necessidade que alguém perca
para que alguém possa ganhar.
Para termos passagens mais baratas e transporte de qualidade
é preciso que o dinheiro saia de algum lugar: ou dos governos (o que
seria trocar seis por meia dúzia), ou diminuir os lucros dos empresários
do setor e aumentar impostos dos usuários de transporte individual
(carros). Para conquistarmos direitos para a população LGBT precisaremos
derrotar os fundamentalistas. Para democratizarmos as comunicações
precisaremos derrotar a grande mídia, para termos melhores salários e
condições de trabalho precisaremos derrotar os empresários, para termos
mais dinheiro precisaremos derrotar os banqueiros que lucram em cima de
nós com seus juros, e por aí segue…
Creio que o meio para defender os atos e os movimentos da intromissão
de pautas reacionárias nesse momento é a restrição das nossas pautas
nos atos. Precisamos realizar atos como sendo claramente contra os
aumentos e em defesa de um novo modelo de transporte público e de
qualidade.
Há diversas pautas progressistas igualmente importantes, como o
combate ao projeto de lei da “cura gay” aprovado nesta terça-feira
(18/06) pelo Feliciano na CDHM da Câmara dos Deputados, a Reforma
Política, a democratização dos meios de comunicação, o combate à PEC37
(que restringe os poderes de investigação do Ministério Público), dentre
tantas outras.
Se pulverizarmos as pautas em poucas manifestações “genéricas”,
estaremos ajudando a fazer o que a mídia e a direita tanto querem:
caracterizar o movimento como difuso e aberto à qualquer pauta, e já
percebemos que onde cabe qualquer pauta, cabem também as pautas dos
nossos adversários.
É necessário organizarmos atos para cada uma dessas pautas,
aproveitando o momento político para acumular força, organicidade e
visibilidade para as nossas lutas, que certamente não terminarão em uma
ou duas semanas.
Que as manifestações não sejam passageiras!
*Historiador pela Universidade de Brasília
**PS do Viomundo: Investiga-se se #ogiganteacordou, propagado pela TV Globo no jogo entre Brasil e México, ontem, em Fortaleza, tem relação direta ou indireta com gente da oposição.
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