Carta Maior
O custo da derrubada da CPMF
Maria Inês Nassif
Em
2000, quando foi aprovada a famosa Emenda 29, o presidente era Fernando
Henrique Cardoso (PSDB) e teoricamente a Saúde tinha como fonte
financiadora a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
(CPMF). O projeto de emenda previa que o governo federal teria que
investir 10% de todo o seu Orçamento em Saúde; os Estados, 12%; e os
municípios,15%.
Com
ampla maioria nas duas casas legislativas, o governo federal conseguiu
negociar uma emenda nos seguintes termos: Estados e municípios são
obrigados a investir, no mínimo, 12% e 15% de suas receitas líquidas,
respectivamente. A União, desde então, gasta com Saúde o correspondente
ao que desembolsou no ano anterior, mais a variação do Produto Interno
Bruto (PIB) nominal. É o chamado Piso Nacional.
FHC,
portanto, “congelou”os gastos em Saúde da União, com a regra de
reajuste do orçamento do setor do ano anterior pelo PIB, e não
considerou a CPMF como financiamento adicional, incorporando-a
simplesmente às suas receitas. Era o melhor dos mundos.
A
presidenta Dilma Rousseff, depois do recuo governista de bancar a
aprovação da Contribuição Social da Saúde – que previa uma alíquota de
0,1% sobre a movimentação bancária do país, algo em torno de R$ 20
bilhões anuais – correu o risco de ficar no pior dos mundo: sem dinheiro
novo para a Saúde e com 10% de suas receitas líquidas vinculadas ao
setor. Ela também tem ampla maioria nas duas casas legislativas.
Segundo
o documento de discussão “Modelo de Financiamento para a Saúde”,
apresentado pelo secretário municipal de São Paulo, Jairo Montone, ao
Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems), o
grande incremento nos gastos com a área vieram da vinculação
orçamentária de Estados e Municípios. A CPMF, que começou como Imposto
sobre Movimentações Financeiras em 1993 teoricamente destinado à Saúde,
foi sendo absorvida pelo Orçamento da União.
Em
2000, o Orçamento do Ministério da Saúde era 8,1% da receita corrente
em 2000; em 2007, 6,7%. Se os gastos da União com a Saúde tivessem
permanecido no patamar de 2000, a área teria R$ 10 bilhões a mais. Se a
vinculação dos gastos da União em 10% tivesse ocorrido, hoje a Saúde
teria R$ 35 bilhões a mais do que os cerca de RS$ 60 bilhões de hoje.
No
governo Fernando Henrique Cardoso, a vinculação de 10% da receita
líquida da União para a Saúde não aconteceu e a CPMF não virou dinheiro
adicional. Em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o governo. Em
2007, ainda sob a vigência da contribuição, o então senador Tião Viana
(PT-AC) apresentou a proposta de regulamentação da emenda 29, prevendo
novamente a vinculação em 10%. Segundo o hoje governador do Acre, a
proposta foi apresentada após ele ter ouvido de Lula o compromisso de
destinar integralmente o dinheiro da CPMF para o setor. Em dezembro, o
Senado derrubou a contribuição. Em abril do ano seguinte, aprovou a
regulamentação da emenda 29 proposta por Viana, mantendo a vinculação
dos recursos da União.
O
projeto que saiu da Câmara, e foi para o Senado, colocou o governo
Dilma Rousseff nesta situação. Com uma maioria avassaladora no
Legislativo, o governo só perde uma votação se for abandonado por sua
base parlamentar – ou, como aconteceu agora, se deixar à vontade os
parlamentares para fazerem o que quiserem, em vésperas de eleição.
Quando
abriu mão da CSS, a base governista tinha a avaliação de que estaria
dando discurso à oposição, a exemplo do que aconteceu em 2007 – os
adversários do governo assumiram rapidamente o discurso de que o país
vivia sob uma tributação insuportável. Desconheceu o poder de pressão
dos governadores sobre o Senado para aprovar a vinculação orçamentária,
mesmo sem uma nova fonte de financiamento da Saúde – e o fato de que
aprovar recursos para a área é um capital eleitoral que pode tentar a
sua base no Senado, às vésperas das eleições municipais.
O
especialista em gestão pública, Amir Khair, concorda quem em 2007, na
votação da CPMF, a oposição ao governo Lula faturou com a derrubada da
contribuição. “É um impasse politico. Dilma não caiu na cilada política
que Lula caiu”, afirmou. Para o líder Humberto Costa, o custo da
derrubada da CPMF foi muito alto e está sendo pago até hoje. “Nós
sofremos dupla derrota na votação da CPMF, em 2007: de um lado, perdemos
R$ 40 bilhões; de outro, o discurso. Prevaleceu o discurso de que a
Saúde tem dinheiro, que o problema é simplesmente de gestão. Está
difícil recolocar o problema de financiamento do setor”.
Khair
aponta outras possibilidades de tributação: uma parte do Imposto de
Renda ou da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. “A CSLL pode
servir a isso, preferencialmente se houver uma taxação maior dos bancos,
que não têm poder de mobilização da sociedade e hoje são vistos pelos
cidadãos comuns como agiotas; o aumento do compulsório dos bancos;ou,
ainda, a tributação de cigarros”. Esses recursos não poderiam ser
“carimbados” para a Saúde, mas podem ser destinados ao setor, “o que
facilitaria à União, aos Estados e municípios cumprirem a emenda 29”.
“Neste primeiro momento, o foco do debate é a destinação integral do
DPVAT para a Saúde e o aumento dos produtos nocivos à saúde; depois,
vamos pensar em novas fontes”, afirma Costa.
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