É assim que os lobos
vestem elegantes ternos de cordeiro sem que ninguém se pergunte pelo
trabalho dos alfaiates. Mentiras nem precisam ser repetidas mil vezes
para se transformar em verdades. Basta que sejam embelezadas de modo
falacioso e permanente. Basta que o veículo X repercuta o que disse o Y e
que nem A, nem B nem C tenham disposição para conferir aquilo que disse
Z – como é, aliás, tradição da imprensa brasileira com tendência “à
direita” desde 1964, quando jornais e revistas se irmanaram para
denunciar a subversão e a corrupção do governo Goulart.
E aí chegamos ao
calendário atual da crise, ao batimento cardíaco de maio de 2013.
Ameaçada, pela quarta vez consecutiva, de se mostrar incapaz de chegar
ao governo pelo voto, o que se pretende é uma mudança pelo alto, sem o
povo como protagonista – mas como espectador e sujeito passivo.
Faz-se isso como opção estratégica, definida, concebida de modo científico e encaminhada com método e disciplina.
Num país onde o artigo 1
da Constituição diz que todo poder emana do povo, que o exerce através
de representantes eleitos ou diretamente, procura-se colocar o STF em
posição de supremacia em relação aos demais poderes.
Como se sua tarefa não
fosse julgar a aplicação das leis, mas contribuir para sua confecção ou
até mesmo para bloquear leis existentes, votadas e aprovadas de acordo
com os trâmites legais.
O STF vem sendo
estimulado a tornar-se guardião da agenda conservadora do país,
construindo-se como fonte de poder político, acima dos demais.
Assume um ponto de vista
liberal quando debate assuntos de natureza comportamental, como aborto e
células tronco. Mantém-se conservador quanto aos grandes interesses
econômicos e políticos.
Sua agenda dos próximos
meses envolve muitas matérias de natureza econômica e o papel do Estado
na economia. Até uma emenda constitucional que cria subsídios ao ensino
privado já chegou ao tribunal. A técnica sem-voto é assim. Já que não
se tem força para chegar ao Planalto nem para fazer maioria no
Congresso, tenta-se o STF – e azar de quem tem voto popular. A
finalidade é paralisar quem fala pela maioria.
No debate sobre royalties
do petróleo, que, mesmo de forma enviesada, traduzia uma forma de
conflito entre estados ricos e estados pobres, impediu-se o Congresso de
exercer suas funções constitucionais. No debate sobre fundo partidário e
tempo na TV, o risco de deixar a oposição sem um terceiro nome para
tentar garantir o segundo turno inspirou o PSB, oposicionista, a pedir
uma liminar que impede a votação de uma lei que cumpria absolutamente
todas as exigências legais para ser debatida e votada. Concordo que a
lei em questão pode ser chamada de casuística. Sou contra restrições à
liberdade de organização de partidos políticos, ainda que possa lembrar
que o debate, no caso, não envolve risco de prisão para militantes de
partidos não autorizados, como no passado, mas TV e $$$ público,
mercadorias que não caem do céu.
Sem ser ingênuo lembro que nessa matéria o ponto de vista contrário também está impregnado do mesmo defeito.
A liminar beneficia a
oposição em geral e uma presidenciável em particular, que tenta
encontrar-se num terceiro partido político em menos de uma década. Até
agora nem conseguiu o numero de mínimo de filiados para montar a nova
legenda. Jornais informam que está recorrendo a políticos de outros
partidos que, aliados no vale-tudo para o segundo turno, tentam dar uma
mãozinha emprestando eleitores de seu próprio curral. Não é curioso?
O que se quer é atribuir
ao Supremo funções que estão muito além de sua competência nos termos
definidos pela legislação brasileira. Não adianta lembrar de países
desenvolvidos como se eles fossem a solução para todos os males.
Até porque isso não é
verdade. Para ficar num exemplo recente e decisivo. Ao se intrometer nas
eleições de 2000 nos EUA, impedindo que os votos no Estado da Florida
fossem recontados e conferidos pelos organismos competentes, a Suprema
Corte republicana deu vitória a George W. Bush – empossando, com sua
atitude, o pior governo norte-americano desde a independência, em 1776.
Inconformado com a
decisão da Suprema Corte, o democrata Al Gore chegou a resistir por
vários dias, recusando-se a reconhecer um resultado que não refletia a
vontade popular. Acabou pressionado a renunciar e retirou-se da cena
política. Alguém pode chamar isso de vitória da democracia? Exemplo a
ser seguido?
Em situações como a do
Brasil de hoje, a atuação dos meios comunicação ajuda a criar mocinhos e
bandidos, permite desqualificar o adversário e impedir que todas as
cartas sejam colocadas à mesa.
O vilão da vez, como se
sabe, é o deputado Nazareno Fontelles, do PT do Piauí, autor da PEC 33,
que, com base na soberania popular, garante ao Congresso a ultima
palavra sobre as leis que vigoram no país.
Fonteles já foi chamado
de “aloprado” e até de ser um tipo que faz “trabalho sujo”, além de
outras barbaridades feias e vergonhosas, que servem apenas para abafar o
debate político e esconder pontos importantes – a começar pelo fato de
que o relator da PEC 33 foi um deputado tucano. (Este seria o que?)
Desmentindo outra
mitologia sobre o tema, de que Fonteles produziu uma resposta ao
mensalão, evita-se lembrar que o texto é de 2011, quando o julgamento
sequer havia começado.
Conheço juristas de peso que têm críticas a PEC 33. Outros lhe dão sustentação integral.
O debate real é a soberania popular. E é desse ponto de vista que a discussão sobre a PEC 33 deve ser feita.
A pergunta, meus amigos, é
simples. Consiste em saber quem deve ter a palavra final sobre os
destinos do país. Vamos repetir: a Constituição diz, em seu artigo 1,
que todo poder emana do povo, que exerce através de seus representantes
eleitos ou mesmo diretamente.
Até os ministros do
Supremo são escolhidos por quem tem voto. O presidente da República, que
indica os nomes. O Senado, que os aprova.
Quem não gosta deste método de decisão deveria comprar o debate e convencer a maioria, concorda?