DILMA REFÉM DO PMDB
Cenário ameaçador se desenha para os próximos dois anos, caso PT abra mão do comando da Câmara e do Senado
Por Rodrigo Brandão e Zilda Ferreira*
Em
2010, durante a discussão de alianças para as eleições gerais daquele
ano, PT e PMDB fecharam um acordo. Com a perspectiva de elegerem
bancadas numericamente muito próximas na Câmara dos Deputados e no
Senado Federal, os dois maiores partidos brasileiros e líderes da Frente
Brasil Popular combinaram um rodízio de presidentes nas duas Casas para
a legislatura 2011-15. Meses atrás o presidente do PT, Rui Falcão, foi
aos líderes do PMDB reiterar a vigência do "pacto", o que significa que
em fevereiro toda a bancada petista, a maior da Câmara, deve ajudar a
eleger o deputado federal Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) presidente
para o biênio que encerra a legislatura, a terminar em janeiro de 2015.
Aí entra um problema, apontado por algumas
lideranças do PT no Legislativo. Nenhuma menção ao Senado foi feita. E o
senador Renan Calheiros (PMDB-AL) já se lançou candidato à sucessão de
José Sarney, para a qual é favorito absoluto. Mesmo porque no Senado, ao
contrário da Câmara, o regimento não permite candidaturas avulsas. Ou
seja, somente candidaturas indicadas diretamente pelos partidos são
aceitas, uma por partido.
Renan Calheiros pode ser um presidente do Senado
melhor do que foi José Sarney. Alvo constante de campanhas difamatórias
por parte da grande imprensa, Calheiros poderá ser mais permeável aos
projetos de lei ligados a esse campo que a esquerda luta para emplacar
no Brasil. Como um guarda-chuva a abarcar os pontos principais desta
agenda está a reforma do marco regulatório das comunicações, mas podemos
aí enumerar a desconcentração da propriedade de mídias e o próprio fim
da propriedade cruzada dos meios de comunicação, além da recuperação de
aspectos fundamentais da Lei de Imprensa derrubada pelo STF – como o
direito de resposta. Em resumo, lutamos por uma “Ley de Medios” aos
moldes daquela aprovada na Argentina.
Há também no horizonte a necessidade de aprovação do
Marco Civil da Internet, cujo texto (construído por lideranças do
Parlamento em conjunto com ativistas pelas mídias livres) tramita por
comissões. O Marco Civil é fundamental para garantir neutralidade da
rede e que o Brasil se imponha a tentativas monopolistas – e censoras –
surgidas na arena internacional, com uma legislação progressista e
soberana.
A alternativa Requião
Por outro
lado, um senador como Roberto Requião (PMDB-PR), que em seus dois
últimos mandatos à frente do governo do Paraná (2003-10) implantou
várias políticas para a democratização das comunicações e tem sido leal
ao governo democrático-popular, seria certamente um nome ainda mais
adequado para liderar a Câmara Alta no biênio que encerra a atual
legislatura. Biênio esse que coincide com os dois últimos anos do
(esperamos) primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff.
Requião é um nacionalista e um progressista, é o
governador que parou o Porto de Paranaguá para impedir embarque e
desembarque de soja transgênica. Lideranças como ele, à frente do
Legislativo, significam que retrocessos como a derrubada da portaria
presidencial que restringe compra de terras por estrangeiros, caso
passem na Câmara, dificilmente passem sem resistência pelo Senado.
Tudo isso leva em conta um cenário em que o acordo
PT-PMDB de 2010 não é cumprido na sua totalidade, mas apenas em parte.
Se realmente "acordo político foi feito para cumprir", como tem repetido
Rui Falcão, o PMDB estaria obrigado a incondicionalmente apoiar um nome
do PT para a presidência do Senado. Que poderia ser o piauiense
Wellington Dias ou o acreano Jorge Vianna. Não vai acontecer, tudo
indica.
Voltemos então nossas atenções à Câmara. E aí vem,
além do problema com a “palavra dada” pela metade e que pode
transformar-se em impasse, um impasse ainda maior e que ameaça a própria
continuidade do projeto político que elegeu Lula em 2002 e 2006 e Dilma
em 2010. Com o PMDB senhor das duas Casas Legislativas e Michel Temer,
outro peemedebista, vice-presidente da República, praticamente toda a
linha sucessória da presidenta Dilma Rousseff passa a ser formada por
filiados a apenas um dos partidos que compõem a coalizão de
governo.Lembremos que esse mesmo partido, hoje base do governo Dilma,
participou da coalizão liderada por Fernando Henrique Cardoso entre 1995
e 2002, antes de apoiar a primeira candidatura presidencial de José
Serra. Dilma ficaria então refém, na governabilidade e na própria
sustentação do projeto político do PT, de um partido que levou alguns
anos para desembarcar no governo Lula.
Eleição de Henrique Alves pode afetar governabilidade
O
nome apontado até o momento pelo PMDB para presidir a Câmara dos
Deputados é motivo de grande inquietação. Henrique Alves é membro da
bancada ruralista e foi uma das principais lideranças do Congresso
Nacional na articulação para aprovação e na própria defesa da reforma do
Código Florestal, um dos piores retrocessos da nossa história
republicana e que acabou por constranger a presidenta Dilma às vésperas
da Rio+20. Mesmo com a clara orientação do Planalto a sua base para que
barrasse os pontos fundamentais do projeto de lei, o líder do PMDB
orientou sua bancada no sentido contrário e ainda articulou apoios em
outros partidos governistas para atropelar um acordo construído por toda
a base aliada no Senado, que atenuava os aspectos mais negativos da
reforma.
Alves contribuiu assim diretamente para abalar a
credibilidade do Brasil diante do mundo inteiro num momento dos mais
delicados, talvez o maior desafio do governo Dilma no campo geopolítico.
Depois de afrontar o governo, está prestes a ganhar de presente a
direção da Câmara Baixa e com o apoio do PT.
Com os ruralistas chegando de corpo e alma ao
comando da nave-mãe do Poder Legislativo, é de se esperar que todos ou
pelo menos a maioria dos pontos constantes em sua agenda ganhem selo de
urgência ou urgência urgentíssima, garantias de que determinado projeto
de lei terá celeridade e prevalência diante de outros. Entre as
prioridades ruralistas está, para substituir a portaria do Poder
Executivo – baseada em um parecer da Advocacia Geral da União – que
restringe compra de terras por estrangeiros, a aprovação de uma lei
escancarando o mercado de imóveis rurais ao capital externo.
Em toda a região Centro-Oeste é grande a campanha
para derrubar essa restrição imposta pelo governo Dilma. O
agroimperialismo ganha cada vez mais terreno e assim pode acelerar a
ocupação dos cerrados com as culturas intensivas da soja e da
cana-de-açúcar (biocombustível), além da pecuária intensiva. É um
processo que desrespeita as peculiaridades do bioma e massacra as
populações indígenas, com o objetivo de produzir commodities para
exportação. Completando o cenário de horrores no Centro-Oeste, crescem
as pressões para que o governo libere a instalação de dezenas de
pequenas hidrelétricas no Pantanal, além de usinas de álcool.
A respeito da questão indígena, há mais uma ameaça
no horizonte e que pode transformar-se em pesadelo ao termos uma
liderança negativa como Henrique Alves à frente da Câmara. É que outra
prioridade da bancada ruralista para os próximos anos legislativos é a
reforma do Código Mineral, defendida de peito aberto inclusive por
latifundiários que sonham ocupar o Ministério da Agricultura. Com a
reforma, os ruralistas pretendem abrir caminho à concessão de licenças
para mineração dentro de reservas indígenas.
Tanto a liberação da compra de terras por
estrangeiros como a reforma do Código Mineral são projetos de lei que já
passaram em comissões justamente na Câmara dos Deputados, obviamente
dominadas por ruralistas e seus representantes. Por sinal, o nó
político-parlamentar que vivemos hoje, com o setor agropecuário
superrepresentado (para dizer o mínimo) no Congresso Nacional, em grande
parte se deve às falhas do sistema político e eleitoral brasileiro. Uma
reforma política, implantando o financiamento público de campanhas, é
urgente. Com o PMDB aliado ao latifúndio concentrando tanto poder,
trata-se apenas de um sonho distante.
Câmara dos Deputados sob liderança de forças progressistas
Já
que o PMDB se dispõe a cumprir apenas parte do acordo de rodízio,
infelizmente sem ao que parece grande resistência do PT, que seja esse
“pacto” adiado para outro momento ou, enfim, congelado ad eternum. Em
lugar de entregar as duas Casas Legislativas e deixar Dilma Rousseff
“nas mãos” de um dos dois grandes partidos da base, seria melhor então
que o PT mantivesse o comando da Câmara. Nomes não faltam. O
pernambucano Fernando Ferro, o baiano Emiliano José e o paulista Paulo
Teixeira são lideranças comprometidas com a necessária (e urgente)
regulação da mídia e, no caso de Ferro, trata-se de um deputado com
histórico marcado pelo respeito ao meio ambiente.
A particularidade na Câmara é que ali, onde o
regimento permite candidaturas avulsas, começam a surgir sinais de que
haverá dissidência. O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) já manteve
conversas com lideranças de pelo menos quatro partidos e o PDT, outro
integrante da base de governo, já sinalizou que pode apoiá-lo. O PSB nos
abre pelo menos duas alternativas que trariam ao menos mais pluralismo à
cúpula do Legislativo, além disso melhorando a interlocução com a
agenda dos movimentos sociais: Beto Albuquerque (PSB-RS) mas,
principalmente e enfaticamente, Luiza Erundina (PSB-SP).
Albuquerque é um apoiador de primeira
hora dos governos Lula e Dilma, mas Erundina é uma líder política
nascida na Paraíba e eleita em 1988 a primeira mulher prefeita de São
Paulo, responsável pela até hoje considerada melhor gestão que a “mais
brasileira das cidades brasileiras” – por reunir em profusão gente de
todas as partes do país – viu. Erundina tem sido uma líder incansável na
defesa de pautas como a Comissão da Verdade e a Lei de Transparência
Pública, ambas saídas do papel em grande parte graças ao esforço da
deputada, a revogação da Lei de Anistia e a regulação da mídia. Com
Erundina à frente da Câmara, os movimentos pelos direitos humanos
ganhariam uma importante interlocutora. Erundina é também uma liderança
que agrega, que colocaria o PSB pela primeira vez no comando do Poder
Legislativo Federal e poderia ajudar a aparar certas arestas entre os
governistas.
As cartas estão na mesa. Num ano que promete ser dos
mais difíceis, quando embates duros deverão ser travados tanto na arena
doméstica quanto fora de nossas fronteiras – mas nos interessando
diretamente, sobretudo os próximos às fronteiras –, podemos o PT e a
esquerda aproveitar a eleição das Mesas Diretoras do Legislativo para
dar uma nova cara ao Congresso Nacional. É fundamental neste momento
oxigenar a própria base de apoio ao governo, agregando seus membros e
mobilizando-os em torno de projetos que motivaram a própria candidatura
Dilma Rousseff em 2010.
*da Equipe do Blog EDUCOM
Não deixe de conferir como seu deputado federal votou na reforma do Código Florestal.
--
Rodrigo Brandão, jornalista e ativista das mídias livres
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