sex, 13/05/2016 - 17:19
Atualizado em 13/05/2016 - 17:19
Jornal GGN - "Nós acusamos o governo interino que
agora se inicia de já nascer morto. Nunca na história da República
brasileira um governo começou com tanta ilegitimidade e contestação
popular", disse o professor Vladimir Safatle, em artigo na Folha.
"Nós acusamos os representantes desse governo interino de serem
personagens de outro tempo, zumbis de um passado que teima em não
morrer". "Nós acusamos o governo Dilma de ter colocado o Brasil na maior
crise política de sua história". "Nós acusamos setores hegemônicos da
imprensa de regredirem a um estágio de parcialidade há muito não visto
no país", seguiu o especialista.
Leia a coluna completa:
Por Vladimir Safatle
Da Folha de S. Paulo
Diante da gravidade da situação nacional e da miséria das alternativas que se apresentam:
Nós acusamos o governo interino que agora se inicia de já nascer
morto. Nunca na história da República brasileira um governo começou com
tanta ilegitimidade e contestação popular. Se, diante de Collor, o
procedimento de impeachment foi um momento de reunificação nacional
contra um presidente rejeitado por todos, diante do governo Dilma o
impeachment foi o momento em que tivemos de construir um muro para
separar a Esplanada dos Ministérios em dois.
Esse muro não cairá, ele se aprofundará cada vez mais. Aqueles que
apoiaram Dilma e aqueles que, mesmo não a apoiando compreenderam muito
bem o oportunismo de uma classe política à procura de instrumentalizar a
revolta popular contra a corrupção para sua própria sobrevivência, não
voltarão para casa. Esse será o governo da crise permanente.
Nós acusamos os representantes desse governo interino de serem
personagens de outro tempo, zumbis de um passado que teima em não
morrer. Eles não são a solução para a crise política, mas a própria
crise política no poder. Suas práticas políticas oligárquicas e
palacianas só poderiam redundar em um golpe parlamentar denunciado no
mundo inteiro.
Por isso, eles temem toda possibilidade de eleições gerais. Eles
governarão com a violência policial em uma mão e com a cartilha
fracassada das políticas de "austeridade" na outra. Políticas que nunca
seriam referendadas em uma eleição. Com tais personagens no poder, não
há mais razão alguma para chamar o que temos em nosso país de
"democracia".
Nós acusamos o governo Dilma de ter colocado o Brasil na maior crise
política de sua história. A sequência de escândalos de corrupção não foi
uma invenção da imprensa, mas uma prática normal de governo.
De nada adianta dizer que essa prática sempre foi normal, pois a
própria existência da esquerda brasileira esteve vinculada à
possibilidade de expulsar os interesses privados da esfera do bem comum,
moralizando as instituições públicas.
Que os setores da esquerda brasileira no governo façam sua
autocrítica implacável. Por outro lado, a procura pela criação de uma
conciliação impossível apenas levou o governo a se descaracterizar por
completo, a abraçar o que ele agora denuncia, distanciando-se de seus
próprios eleitores. O caráter errático deste governo foi a mão que cavou
sua própria sepultura. Que esta errância sirva de lição à esquerda como
um todo.
Nós acusamos aqueles que nunca quiseram encarar o dever de acertar
contas com o passado ditatorial brasileiro e afastar da vida pública os
que apoiaram a ditadura como responsáveis diretos pela instauração desta
crise. A crise atual é a prova maior do fracasso da Nova República.
Que um candidato fascista (e aqui o termo é completamente adequado)
como Jair Bolsonaro tenha hoje 20% das intenções de voto entre os
eleitores com renda acima de dez salários mínimos mostra quão ilusória
foi nossa "conciliação nacional" pós-ditadura. O fato de nossas cadeias
não abrigarem nenhum torturador deveria servir de claro sinal de alerta.
Tal fato serviu apenas para preservar os setores da população que
agora abraçam um fascista caricato e saem às ruas com palavras de ordem
dignas da Guerra Fria. Por isso, a cada dia que passa, percebe-se como
este setor da população se julga autorizado a cometer novas violências
de toda ordem. Isso está apenas começando.
Nós acusamos setores hegemônicos da imprensa de regredirem a um
estágio de parcialidade há muito não visto no país. Diante de uma
situação de divisão nacional, não cabe à imprensa incitar manifestações
de um lado e esconder as manifestações de outro, transformar-se em
tribunal midiático e parcial, julgando, destruindo moralmente alguns
acusados e preservando outros, deixando mesmo de se interessar por
vários escândalos quando esses não atingem diretamente o governo.
Essa postura apenas servirá para explodir ainda mais os antagonismos e para reduzir a imprensa à condição de partido político.
Nesse momento em que alguns inclinam-se à uma posição melancólica
diante dos descaminhos do país, há de se lembrar que podemos sempre
falar em nome da primeira pessoa do plural, e esta será nossa maior
força.
Faz parte da lógica do poder produzir melancolia, nos levar a
acreditar em nossa fraqueza e isolamento. Mas há muitos que foram, são e
serão como nós. Quem chorou diante dos momentos de miséria política que
esse país viveu nos últimos tempos, que se lembre de que o Brasil
sempre surpreendeu e surpreenderá. Esse não é o país de Temer,
Bolsonaro, Cunha, Renan, Malafaia, Alckmin.
Esse é o país de Zumbi, Prestes, Pagu, Lamarca, Francisco Julião,
Darcy Ribeiro, Celso Furtado e, principalmente, nosso. Há um corpo
político novo que emergirá quando a oligarquia e sua claque menos
esperar.
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