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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Leitura V. Os Cabeças de Planilha: para conhecer o período anterior ao governo petista.

A imprensa comemora as duas décadas do Plano Real. Pessoalmente, prefiro comemorar os 7 anos do livro de Luis Nassif que desvendou os mecanismos utilizados pelos gestores do Plano Real para enriquecer com a troca de moeda exatamente como Rui Barbosa e seus acessores fizeram durante o Encilhamento. Em homenagem aos 20 anos do Plano Real, portanto, republico aqui a resenha que fiz do livro "OS CABEÇAS-DE-PLANILHA".
Apesar de não ser celebridade da Rede Globo, Luis Nassif (http://luisnassifonline.blog.uol.com.br/ ) tem sido um dos jornalistas econômicos mais importante dos últimos 20 anos. Junto com Aloisio Biondi denunciou os abusos da privatização e apontou de forma clara, precisa e didática as falhas do Plano Real. Desafiando os consensos técnicos que preservam a desordem econômica e social brasileira, cuja única virtude é exatamente seu maior defeito (concentrar poder renda na mão de poucos), Nassif já tinha seu lugar garantido no Panteão de intelectuais honestos deste país. Em razão de seu novo livro, OS CABEÇAS-DE-PLANILHA (editoro, 2007), o jornalista merece uma atenção ainda maior.
Quais são as semelhanças entre a política econômica de Rui Barbosa de Fernando Henrique Cardoso? A resposta de Nassif pode ser resumida numa palavra: muitas. Nassif não só identificou as semelhanças como apontou como elas ocorreram e, principalmente, quem foram s maiores beneficiados.
Usando como referência teórica a obra de Friedrich List (Sistema Nacional de Economia Política), Nassif chegou a conclusão que o Brasil teve suas grandes janelas para se tornar um país desenvolvido. Perdeu ambas em razão da ganância oportunista dos responsáveis pela gestão econômica do país.
Antes da proclamação da República, Rui Barbosa se notabilizou em razão da critica a política econômica do Visconde de Ouro Preto. Rui escreveu muitos artigos para dizer que a mesma beneficiava escandalosamente o Banco Nacional do Brasil (que foi criado a partir do Banco Intercontinental, do Conde Figueiredo). Ouro Preto concedeu ao Banco Nacional o direito de emitir moeda e definir o cambio.
Após a proclamação da República, Rui Barbosa substituiu o Visconde de Ouro Preto com a missão de moralizar a administração financeira. Nassif sustenta que o novo ministro das finanças fez exatamente o oposto, ou seja, preservou a concentração do poder de emitir moeda e definir o cambio nas mãos dos Bancos privados. Fez isto sem consultar os demais colegas de ministério. Mas ao contrário de beneficiar apenas o Banco Nacional do Brasil, Rui Barbosa concedeu o privilégio a três Bancos: o primeiro no Rio de Janeiro, o segundo na Bahia e o terceiro em Porto Alegre.
A decisão de Rui Barbosa provou séria objeção dos outros ministros. A controvérsia acabou quando foi aprovada a criação de um banco emissor de moeda em São Paulo.
O dono do Banco emissor no Rio de Janeiro seria o Conselheiro Francisco de Paula Mayrink, amigo pessoal de Rio Barbosa. Mas o Banco dos Estados Unidos do Brasil criado por Mayrink nasceu sob suspeita de fraude, de falsificação de seu capital. O Encilhamento (como foi chamada a política econômica de Rui Barbosa), foi usado com maestria para alguns poucos brasileiros enriquecerem enquanto o país era levado à bancarrota.
Nassif é enfático ao afirmar que “...os golpes foram montados em cima de emissões primárias de ações. O comprador pagava 10% do valor da emissão; a empresa era lançada. Quando necessitava de mais capital, procedia a novas chamadas. Se o investidor não subscrevesse a nova chamada, perdia direito ao que já havia pago.” O resultado da jogada era sempre o mesmo “...as empresas não tinham como reduzir o valor das ações, que estavam amarradas ao valor nominal dos vencimentos. Resultava disso o encalhe dos lançamentos posteriores, inviabilizando as empresas e dando prejuízo integral aos acionistas.”
Ainda segundo o autor depois da “...especulação com ações, seguiu-se uma muito mais ampla, sofisticada e intensa com o câmbio, em geral pouco estudada, principalmente após a quebra do Banco Baring Brothers, inglês, especulando com câmbio na Argentina.” No Brasil de “...janeiro a abril, tal como Demétrio havia previsto, houve intensa desvalorização cambial, de cerca de 25%, seguida da volta da inflação. De uma taxa negativa de 16,1% em 1887, a inflação chegou a alcançar 84,9% em 1891, quando a especulação atingiu o seu auge.”
Luis Nassif esclarece que na verdade “... tinha havido um volume considerável de vendas cambiais a descoberto antes da safra. Os tomadores dos papéis passaram a atuar para forçar a baixa do câmbio. No momento da liquidação, quem tinha vendido a descoberto (isto é, sem dispor da mercadoria) foi obrigado a ir ao mercado adquirir cambiais a preços mais elevados. A corrida dos vendedores a descoberto deflagrou um jogo especulativo pesado, em que as somas jogadas eram sucessivamente elevadas.”
A especulação guarda muitas semelhanças com o jogo organizado. Em ambos só os grandes apostadores ganham sempre. No caso do jogo, quem o banca embolsa todas as apostas e paga os prêmios (que geralmente são inferiores ao arrecadado dos apostadores). Num surto de especulação, os grandes Bancos acabam se beneficiando das vulnerabilidades de cada um dos especuladores. Foi o que ocorreu no princípio da República. “Com a dinheirama inundando a economia e as reservas de ouro dos bancos podendo influenciar o mercado de câmbio, o movimento especulativo em torno da Bolsa de Valores atingiu ao máximo.”
Ao invés de estancar a sangria da economia real, Rui Barbosa patrocinou a fusão entre o Banco do Conselheiro Mayrink com o Nacional de Figueiredo. A medida agravou a crise. Pessoalmente, entretanto, Rui não foi prejudicado. Em virtude de suas relações perigosas com os banqueiros ele abocanhou a Presidência da Companhia Frigorífica e Pastoril Brasileira e o posto de consultor jurídico da Light and Power Co. Ltda. Em 1893 “...dois anos depois de deixar o governo, Rui estava suficientemente rico para comprar o palacete neoclássico na rua São Clemente, em Botafogo, que pertencera ao Barão da Lagoa”.
Durante o Encilhamento, Carlito, o jovem cunhado de Rui Barbosa também ficou rico. Registrou em suas memórias as seguintes palavras, que foram reproduzidas por Nassif:
“Minhas atividades em torno da Bolsa proporcionavam-me resultados que me faziam nadar em dinheiro. Os sucessos eram expostos na nossa rodada como tacadas. De quando em quando, uma de 20, 30, de 50 contos.”
As possibilidades do Real eram muito boas. A sociedade havia produzido uma série de consensos que culminou na elaboração da nova política econômica. O quadro internacional era favorável à modernização do país. “A remonetização era um jogo de xadrez com inúmeras possibilidades. Os economistas do Real poderiam ter escolhido o caminho da chamada monetizarão da dívida pública. No vencimento, em vez de títulos, o investidos receberia reais. A dívida seria monetizada, desapareceria, e o mercado teria que se reorganizar para reciclar os recursos, abrindo espaço para investimentos na atividade real.”
Não foi o que ocorreu. A exemplo do Encilhamento, o Plano Real foi usado pelos seus idealizadores mais para enriquecer do que para sanar as graves deficiências da ordem econômica e social brasileira. Quando ocorreu a troca de moedas a equipe econômica de Fernando Henrique Cardoso permitiu “...ganhos extraordinários para os grupos que foram antecipadamente informados sobre a lógica de apreciação do real. Era uma jogada irresponsável, mas que aconteceria apenas uma vez, permitindo uma ‘tacada’ - no jargão do mercado financeira, o golpe aproveitando a oportunidade única, termo, aliás, bastante utilizado por Carlito, o cunhado de Rui, para explicar suas operações.” Curiosamente, quando era estudante, Gustavo Franco, que foi o ideólogo do Real, chegou a escrever uma monografia sobre a política econômica de Rui Barbosa.
Em OS CABEÇAS-DE-PLANILHA o jornalista Luis Nassif demonstra as artimanhas empregadas pelos gestores do Plano Real para encher suas algibeiras e corajosamente afirma que:
“Pérsio Arida era eminentemente técnico, via o plano como uma revanche do Cruzado e se preocupava com sua consistência. Só depois que saiu do governo se envolveu com o mercado, enriquecendo-se como sócio do complicadíssimo banqueiro Daniel Dantas, do Banco Opportunity. A gratidão dos colegas para com ele, e o reconhecimento de que perdera a chance de enriquecer, ao contrário dos demais, foram elementos centrais nas facilidades que encontrou para mobilizar fundos de pensão que permitiram a Daniel Dantas tornar-se um dos vencedores do processo de privatização brasileiro.”
“André Lara Resende via o plano como uma forma de enriquecimento e ascensão social.”
“Gustavo Franco era o ideólogo, mas casava com brilhantismo conhecimentos históricos, teóricos e de mercado. Era um personagem mais interessante que os demais - Pércio com seu rigor técnico, André com sua ambição de enriquecer.”
A obra de Luis Nassif aponta os descaminhos do Plano Real e da privatização. Demonstra como os gestores do mesmo desperdiçaram a segunda oportunidade para o país se tornar desenvolvido (exatamente como ocorreu na época do Encilhamento). O livro desmantela cada uma das mentiras, simplificações, distorções e meias-verdades que foram empregadas na década de 1990 para preservar os juros altos e câmbio superestimado apesar dos seus malefícios para o país (ou por causa dos benefícios pessoais que alguns auferiam). Mas não vou descer aos detalhes. Os interessados devem consultar OS CABEÇAS-DE-PLANILHA.

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Marcelo Fernandes *

Há alguns meses foi publicado pela editora Ediouro, sem grandes pompas, o livro, “Os Cabeças-de-Planilha” (1), do jornalista econômico Luís Nassif. Não obstante a precária distribuição, a pouca exposição em livrarias e pr


O livro realmente tem muitos méritos. Luís Nassif compara e analisa dois episódios-chave na história da nossa república: o Encilhamento e o Plano Real. No Encilhamento, um momento nada edificante na vida do célebre Rui Barbosa, então ministro da Fazenda, aliás, o primeiro ministro da Fazenda da nossa história republicana. No Plano Real, a falta de postura dos responsáveis pela administração do plano. Tanto Rui Barbosa como os economistas ligados ao Plano Real enxergaram uma possibilidade única de enriquecer às expensas do país.


Outras semelhanças são apresentadas. Nos dois períodos ocorre um aumento dos fluxos de capitais no mundo, juntamente com a criação de uma ideologia de defesa da liberalização financeira.


Dentro dos países da periferia, quadros técnicos, políticos e economistas dispostos a advogar em nome do grande capital, ajudaram a propiciar um ambiente favorável aos fluxos de capitais. Também, nos dois períodos, há um avanço na industrialização, porém, lembra o autor, “curiosamente, só crescem os países que não seguem as regras preconizadas pelas grandes potências. Quem se abre para o livre fluxo de capitais e de comércio, não consegue se desenvolver”. Mas a grande questão está no processo de remonetização advindo da reforma monetária, algo raro na história. O fato é que, tanto no Encilhamento como no Plano Real, esse processo foi manipulado de forma a servir os interesses individuais daqueles que estavam no topo dos acontecimentos, a despeito dos prejuízos causado ao Brasil.



Em relação ao Plano Real, na seção intitulada “As novas classes”, são mostrados alguns exemplos de como certos economistas cultos se envolveram em negócios pouco transparentes para realizar sonhos juvenis. Sobre um dos pais do Real afirma Nassif, “André Lara Resende via o plano como uma forma de enriquecimento e ascensão social. Depois de enriquecer com o Real, realizou sonhos adolescentes de comprar carros e cavalos de corrida – que transportou de avião para Londres, quando resolveu passar uma temporada por lá”.



No apêndice do livro há uma entrevista imperdível com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Deve ter sido surpreendente para àqueles acostumados a ver o ex-presidente “nadar de braçadas” em entrevistas preparadas sob medida para o seu próprio deleite. A entrevista é bastante reveladora: mostra como não passava de um mito, a história, bem montada, de um presidente intelectual, muito bem preparado, ciente dos rumos a ser tomados e que conduziria o Brasil no caminho ao primeiro mundo. Como bem disse Luis Nassif, o depoimento do ex-presidente “ajuda a entender como se formam ideologias, e como elas se impõem devido à inércia provocada pelo chamado pensamento hegemônico, pela ausência do contraditório, pela indefinição programática dos partidos políticos e, principalmente, pela falta de disposição dos governantes de tentar modificar os rumos dos ventos”.



Vale a pena conferir. Por mais de uma vez, os comentários de Nassif sobre a política cambial no Plano Real, recebeu a singela resposta do tipo “Isso eu não sei, não foi discutido comigo”. Sobre um tema fundamental como a abertura da conta de capitais, e a crítica que a maior parte do dinheiro que entrava era capital especulativo, tudo que o ex-presidente tem a dizer é: “Para mim não era claro. Para mim estava entrando investimento direto”. Nassif lembra da desnacionalização da economia, mas segundo Fernando Henrique, acreditem, “Isso não tem importância. Você compra empresas, o empresário faz outra”. Adiante, quando lhe é perguntado se a liberalização dos fluxos de capital não era discutida, o ex-presidente responde simplesmente que, “comigo não”. Poderia então se perguntar, com quem foi discutido, já que, como bem lembra Nassif, a liberalização financeira foi uma das marcas indeléveis do modelo implementado na sua gestão. A entrevista toda segue nesse nível. É obvio que um presidente não pode saber de tudo que acontece, mas algumas questões, como o câmbio, estavam no centro das discussões do Plano Real.

Enfim, o livro é uma ótima oportunidade para quem quer conhecer o outro lado da moeda; aquelas informações que só aparecem numa notinha no meio do jornal, quando aparecem...



Nota

(1) NASSIF, Luís (2007). Os Cabeças-de-Planilha. Rio de Janeiro: Ediouro.

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