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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Marina perde o apoio do líder da Rede Sustentabilidade no Pará

Ele não é qualquer um e seu depoimento há de ecoar pelos quatros cantos do Brasil como um grito de alerta para aqueles que pensam que Marina ainda é a mesma Marina de outrora. Plantão Brasil

Charles Alcântara seria o candidato natural do partido Rede Sustentabilidade ao governo do Pará nas eleições de Outubro, mas ficou sem partido pelo fato dos sonháticos não terem conseguido arrecadar o número mínimo de assinaturas para tornarem-se um partido. Na época, Charles havia dado um depoimento a um blog dizendo: "Cogitei uma candidatura [ao governo] dentro de uma estratégia, de um contexto, o da criação do Rede Sustentabilidade. Se esse contexto foi alterado, a minha candidatura perde o sentido".

De lá prá cá, a última vez que conversei com o ex-chefe da Casa Civil do primeiro e único governo do PT no Estado do Pará, o agora presidente do SINDFISCO - que está sem partido - foi através de uma troca de mensagens via a rede social Facebook, que fiz questão de blogar e disponibilizo aqui.

Charles, amadurecendo sua capacidade crítica e fazendo jus ao seu passado, faz uma declaração no mínimo sensata e coerente sobre seu posicionamento diante da candidatura de Marina Silva, com quem se juntou num projeto político sonhático e agora acordou diante de uma nova e dura realidade imposta pelo pragmatismo em que a ex-ministra de Lula e hoje candidata à sucessão de Dilma está envolvida.

O texto abaixo está no perfil pessoal de Charles Alcântara no Facebook.

Há virtudes no velho, como há vícios no novo.

Imerso em minhas reflexões sobre a conjuntura político-eleitoral, decidi agora abandonar o recesso que me impus desde o meu afastamento da coordenação nacional da Rede, que se deu quando esta embarcou provisoriamente no PSB.

Também fui - e ainda estou - tocado pela ideia de que o exercício da política precisa ser radicalmente mais democrático e de que os partidos políticos, tal como funcionam, tomam suas decisões e disputam o poder, precisam reinventar-se porque se tornaram instituições anacrônicas e voltadas para si mesmas.

Somado a isso, fui atraído pelo magnetismo de um novo (chamemos assim) campo político sob a liderança de Marina Silva, a quem admiro e respeito por sua história e trajetória e também por atributos que andam em falta na seara política.

Levado pelo sopro inspirador de Marina e pela concordância quanto à saturação e inutilidade para o Brasil da polarização entre PT e PSDB, inclinei-me a apoiar Eduardo Campos - malgrado minhas críticas em relação à aliança PSB/Rede - quando veio o fatídico acontecimento que lhe ceifou a vida.

Até o presente momento, desde que se tornou candidata presidencial, as declarações mais explícitas e compreensíveis de Marina Silva foram em direção aos mercados, em especial o financeiro. Os que vivem da especulação financeira e que faturam bilhões com a dívida pública brasileira estão eufóricos com as declarações de Marina, reveladoras de uma crença quase religiosa nos fundamentos mais caros ao velho receituário neoliberal, fundamentos estes que colocam no centro das preocupações e da ação estatal os interesses do mercado e na periferia os interesses da sociedade brasileira, com o cínico argumento de que esses interesses são convergentes - e, mais ainda - que os interesses da sociedade tendem a ser satisfeitos se o mercado estiver satisfeito.

Institucionalização da autonomia do banco central e obediência incondicional ao tripé macroeconômico neoliberal são os compromissos mais enfáticos que Marina oferece aos brasileiros para acabar com a velha política e para mudar o Brasil.

Se não em nome de uma nova política (até porque se trata da velha solução neoliberal), mas ao menos em razão das virtudes próprias de sua formação religiosa, Marina tinha e tem o dever de dizer ao povo brasileiro as prováveis consequências de seu programa econômico.

Marina dá sinais de conversão ao fundamentalismo neoliberal como sinônimo de desenvolvimento, estabilidade econômica e inflação baixa, como se os índices inflacionários pudessem ser combatidos com a mera alta dos juros; como se a inflação no último período do governo de FHC - de fidelidade canina à sacrossanta fórmula neoliberal - não tenha sido ainda maior que a verificada nos dias atuais; como se o maior e mais indecente gasto público não fosse exatamente o pagamento de juros da dívida pública.

Pouco importa para os agentes de mercado os custos sociais do tal tripé macroeconômico: menos recursos públicos para as áreas sociais; arrocho salarial e ameaça de mais desemprego.

O tal tripé macroeconômico é uma boa maneira de manter os lucros do mercado financeiro de pé e o Brasil socialmente manco.

Não, Marina, não posso acompanhá-la nessa jornada, apesar que querê-la bem; apesar de admirá-la; apesar de considerá-la uma pessoa de bem e de bons propósitos.

Não posso acompanhá-la, porque o faria por mera crença nos seus bons propósitos e no seu carisma pessoal e porque isto é absolutamente insuficiente para considerá-la a melhor alternativa para o Brasil, principalmente depois do caminho que escolheste trilhar.

Não vou acompanhá-la porque considero uma fraude a pregação de que todos os interesses e todas as forças políticas podem ser conciliados sem conflitos e sem escolhas que desatendam e contrariem os que sempre se beneficiaram da desigualdade em favor dos que sempre foram as vítimas dessa mesma desigualdade.

Conheço pessoalmente Marina, com ela tive boas conversas e dela escutei muita generosidade e sabedoria.

Marina está crescendo nas pesquisas eleitorais e pode vir a comandar a República Federativa do Brasil; momento propício, portanto, para eu declarar a minha posição, que o faço baseado num conselho que escutei da própria Marina de que a boa (nova) política não se deve alicerçar no carisma pessoal.

Outra lição que aprendi com Marina é que muitas vezes é preferível perder ganhando a ganhar perdendo.

Resolvi, então, seguir os conselhos de Marina, não a apoiando nestas eleições, por convicção de que a sua candidatura não está oferecendo ao Brasil um caminho alternativo.

Votar por convicção, penso, é uma das coisas tradicionais da velha e boa política (sim, porque também há virtudes no velho e há vícios no novo) que eu não me disponho a abrir mão.

11139 visitas - Fonte: Falas da Pólis

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