Como proteger um amigo e esconder US$ 8 milhões
Jornais O Globo, da família Marinho, e
Valor Econômico, dos Marinho e dos Frias, repercutem, nesta sexta-feira,
a informação exclusiva publicada no 247 sobre as contas de US$ 8
milhões abertas pelos familiares de Eduardo Paes no Panamá em 2008,
quando ele se elegeu prefeito do Rio de Janeiro pela primeira vez, mas
de um modo bastante peculiar; no Globo, cuja emissora dedicou mais de
seis minutos ao caso St. Peter, o episódio foi apresentado da seguinte
forma: "Publicação em site jornalístico gera debate político no Rio"; no
Valor, foi reduzido a uma disputa local: "Garotinho faz denúncia contra
Paes"; se fosse essa a indignação da Globo em relação aos chamados
"mensaleiros", a Ação Penal 470 talvez nem tivesse entrado na pauta do
Supremo Tribunal Federal; "affair Panamá", ao menos, serviu para
desnudar a hipocrisia da imprensa brasileira
Brasil 247 - Eduardo
Paes se elegeu prefeito do Rio de Janeiro em 2008, pelo PMDB, com apoio
do PT. No dia 12 de junho daquele ano, quatro meses antes da disputa,
seus pais e sua irmã abriram uma empresa no Panamá, a Conval
Corporation, que recebeu depósitos de US$ 4 milhões. Uma semana depois,
abriram outra companhia no mesmo país, a Vittenau, que também recebeu
US$ 4 milhões. As informações foram publicadas em primeira mão pelo 247,
que também trouxe a público documentos cartoriais obtidos junto às
autoridades do Panamá (leia mais aqui). Somados, os US$ 8 milhões hoje equivaleriam a cerca de R$ 20 milhões.
Paes alega que seu pai,
Walmar, sempre foi um advogado bem-sucedido, com carreira internacional,
e que as empresas estão declaradas em seu imposto de renda. Mas o caso
chama a atenção por algumas razões: por que depósitos tão volumosos
foram feitos às vésperas de uma campanha eleitoral? Além disso, por que
num paraíso fiscal como é o caso do Panamá?
São questões relevantes,
que poderão ser respondidas, caso sejam abertos procedimentos de
investigação por organismos como a Receita Federal, a Polícia Federal e o
Coaf, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras. As respostas
também viriam mais rápido se a imprensa familiar brasileira se dedicasse
com mais afinco ao caso.
No entanto, as edições
desta sexta-feira de dois jornais ligados a essa mesma imprensa
controlada por famílias midiáticas deveriam ser guardadas para sempre
nas escolas de jornalismo como um exemplo pronto e acabado de como
esconder o que é relavante e ressaltar o acessório. Ou, em outras
palavras, de como escamotear US$ 8 milhões e proteger um aliado político
No Globo, da família
Marinho, a notícia foi publicada abaixo da previsão do tempo, com o
seguinte título: "Publicação em site jornalístico gera debate político
no Rio". No Valor Econômico, que pertence às famílias Marinho e Frias, o
caso foi também reduzido a uma disputa política local: "Garotinho faz
denúncia contra Paes".
Traçando um paralelo com o "mensalão"
Fosse essa a indignação
das famílias Marinho e Frias com o chamado "mensalão", o caso que
envolveu o PT e seus partidos aliados nem teria sido colocado na pauta
do Supremo Tribunal Federal. Apenas para relembrar, o que foi o
"mensalão"? Um escândalo de caixa dois eleitoral, transformado em
"mesada" na ficção criada pela boa retórica do delator Roberto
Jefferson.
Como disse o ministro
Luis Roberto Barroso, ao fim do julgamento, foi apenas mais um escândalo
que repetiu a lógica de todos os anteriores: financiamento irregular de
campanhas políticas, em que parte dos recursos é desviada para fins
pessoais.
Na Ação Penal 470, um
personagem como José Genoino foi preso, humilhado e condenado como
"corruptor", muito embora todos os deputados da Câmara e até os juízes
que o sentenciaram saibam que seu patrimônio é irrisório – aliás, seus
familiares, ainda hoje, são camponeses no interior do Ceará.
Aos inimigos, a fúria; aos amigos, a proteção
Curiosamente, o caso das
empresas dos familiares de Eduardo Paes só veio a tona porque a Rede
Globo foi ao Panamá com uma missão: impedir que José Dirceu, ex-ministro
da Casa Civil, pudesse ser empregado no hotel St. Peter, em Brasília.
Nessa viagem, a reportagem de mais de seis minutos da emissora no Jornal
Nacional – uma eternidade para padrões televisivos – apontou que a
estrutura da societária do hotel do empresário Paulo Abreu foi
organizada pelo escritório Morgan y Morgan e utilizou os serviços de um
laranja chamado José Eugenio Silva Ritter.
A Globo não conseguiu
provar a conexão entre o "laranja" e o ex-ministro José Dirceu, mas
atingiu seu objetivo: o de impedir que o ex-ministro, condenado a um
regime semiaberto, onde teria apenas que dormir na prisão, pudesse sair
para trabalhar. Assim, Dirceu continuará encarcerado na Papuda.
No entanto, o
desinteresse da Globo pelos donos das outras 1,5 mil empresas abertas
pelo Morgan y Morgan no Brasil permitiu que 247 tivesse acesso, com
exclusividade, às contas abertas pelos familiares de Eduardo Paes, às
vésperas de uma disputa eleitoral.
Os Marinho atiraram no
inimigo político, mas acertaram num dos mais diletos aliados, que vem
sendo preparado como eventual alternativa presidencial de centro-direita
para 2018, dois anos depois dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
Por mais que tenham
tentado proteger o aliado Eduardo Paes, os Marinho conseguiram revelar
ao público a grande hipocrisia da mídia e da sociedade brasileira.
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