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sábado, 8 de dezembro de 2012

Você se refere à polícia de vocês ou à comprada por nós?

 

GOV. FHC: EUA GRAMPEARAM O ALVORADA - IIº

Segue a entrevista do ex-chefe do FBI no Brasil, Carlos Alberto Costa, publicada na CartaCapital nº 283, de 24/03/2004, páginas 39 a 51.  
 
A entrevista é bastante longa, ocupa 13 páginas da revista.  Tenho de reproduzir  pouco menos de todo o diálogo, pois quase tudo nele é fundamental, penso eu, pelo menos como uma contribuição à formação da incipiente consciência nacional.
 
CartaCapital - Você chefiou o FBI no Brasil?  Por quanto tempo?
 
Carlos Alberto Costa -  Chefiei o FBI no Brasil.  Por quatro anos. até quase o final do ano [de 2003].
CC -  Como eram, são, as relações dos serviços secretos dos Estados Unidos com as polícias do Brasil?
 
CAC -  Você se refere à polícia de vocês ou à comprada poe nós?
CC-  Comprada?
CAC-  Sim, comprada.  Nossas agências doam milhões de dólares por ano para a Polícia Federal, há anos, para operações vitais.  No ano passado, a DEA doou uns US$5 milhões, a NAS (divisão de narcóticos do Departamento de Estado), também narcóticos, uns US$3 milhões, fora todos os outros.  Os Estados Unidos compraram a Polícia Federal.  Há um antigo ditado, e ele é real:  quem paga dá as ordens, mesmo que indiretamente.  A verdade é esta:  a vossa Polícia Federal é nossa, trabalha para nós.  Os vossos governos parecem não dar importância à Polícia.  Não sei se é herança da ditadura, quando a Polícia era mal- vista, mas isso é incompreensível.  A Polícia, que deve ser uma entidade independente da política, independente de influências internas e externas, está, na prática, em mãos de estrangeiros. 
CC -  Isso se refere a todas as agências americanas que trabalham aqui?
CAC-  A CIA é outra história... A CIA tem a função legal de um Serviço de Inteligência que atua no estrangeiro.
CC -  Sim, mas também "doa", e atua com maior ou menor autonomia, se o Brasil permite.
CAC -  Bom, eu concordo:  atua com maior ou menor autonomia, mas o papel da CIA, do ponto de vista dos Estados Unidos, é correto e legal:  é um Serviço de Inteligência no exterior.
CC -  E quanto a CIA "doa"?
CAC -  Não sei.  Os outros serviços secretos são mais abertos, a CIA é fechada.  O orçamento da CIA entra no orçamento da Defesa... Mas óbvio, como qualquer outro serviço secreto, utiliza o dinheiro para comprar, chantagear, pagar propinas...
CC -  Vocês se mexem, se locomovem com facilidade no Brasil?
CAC -  Aqui?  Com toda a facilidade.  Temos no Brasil o FBI, a DEA, a CIA e outros serviços.  Somos identificados como diplomatas:  attachés, adidos, assistentes.  Eu, por exemplo, fui adido jurídico... 
CC -  Mas, em bom português, vocês são agentes secretos, espiões...
CAC -  Se quiser usar esses termos, é isso mesmo.  A questão é que não há razão nenhuma para se ter aqui agentes do FBI, da DEA, da NAS, da US Customs...  (...) Qual é a necessidade de ter agentes de uma polícia, o FBI, cuja jurisdição é apenas nos Estados Unidos?  Isso é uma violação à lei, segundo as próprias leis americanas. 
CC -  Chávez autoriza o FBI na Venezuela?
CAC -  Chávez herdou um escritório, mas só que lá esses agentes não fazem nada;  são monitorados e não podem se mexer.
CC -  Antes de entrarmos no específico, na rotina, no dia-a-dia da embaixada, quais são as funções dos serviços secretos?  
CAC -  Digo logo:  uma das importantes funções que nós temos na embaixada é manipular a imprensa brasileira. 
CC -  O quê?  Explica isso aí...
CAC -  A isso chamamos "influenciar".
CC -  Por favor, detalhe esse "influenciar", dê exemplos.
CAC -  Sem nomes.  Começa, digamos assim, com o estabelecimento de boas relações.  Detectamos jornalistas que sejam pró-América  -  evidente que isso em órgãos influentes junto à opinião pública  -  e os convidamos a ir aos Estados Unidos, com todas as despesas pagas.  Essa não é a minha área, mas começa assim.  Influenciar é mudar o pensamento contrário aos nossos interesses.  A primeira atividade em qualquer reunião da embaixada é uma análise sobre o que diz a mídia a nosso respeito;  CartaCapital, por exemplo, nunca foi vista com bons olhos lá na embaixada, para dizer o mínimo. 
CC -  Imagino o máximo...
CAC -  Pois pode imaginar...
CC -  Que argumentos valem para "influenciar"? 
CAC -  ... muita criatividade. "Influenciar" a imprensa, a mídia, é uma coisa muito natural de fazer...
CC -  Em português claro:  "Influenciar" significa, inclusive, se necessário, comprar? 
CAC -  É virar a opinião pública a nosso favor.  
CC -  Tá, mas...
CAC -  Seja lá o que for necessário. Se é comprar, é comprar, há várias maneiras.  Mas deixa pra lá... Voltemos às funções da CIA. 
CC -  Voltaremos à mídia adiante.  A CIA:  depende do Brasil cercear ou não a atuação da CIA, se deixar "comprar"...
CAC -  É preferível o termo "influenciar".  E também depende o quanto e a quem a CIA, a DEA e os demais vão "influenciar" no Brasil.
CC -  É melhor usar o termo "influenciar", assim como em relação à imprensa...
CAC -  Agora, o FBI, a DEA, a NAS, a US Customs (alfândega), o RSO, que são os seguranças internos da embaixada, e tantos outros serviços, o que estão a fazer aqui?  Como é que os brasileiros, o seu governo, não se perguntam sobre isso?  Como é que a imprensa não investiga, não diz nada a respeito?  Todos têm agentes que entram e saem constantemente, atuam livremente por todo o País, é uma coisa incrível... 
CC -  O serviço secreto do seu presidente também investiga o Brasil?  
CAC -  Sim, e sem autorização da embaixada, autonomamente, nem nos avisam. (...) 
CC -  Todos agem como policiais e sem controle algum dentro do Brasil?
CAC -  Sim. Se o Brasil assim permite, então muito bem.
                                   (...)
CC -  ... voltemos às polícias do Brasil...
CAC -  Olha, se a ABIN mandar seus agentes trabalharem nos Estados Unidos, isso é muito natural, é função de um Serviço de Inteligência do presidente.  Cabe a cada país anfitrião permitir, controlar essa presença ou não.  Mas a ABIN é um Serviço de Inteligência sem missão. Não atua no estrangeiro como deve atuar um órgão vinculado à Presidência da República.  Vivia, vive a investigar o MST e outros cidadãos brasileiros mais ou menos ilustres.  Isso é uma violação de direitos civis em qualquer país democrático.  Se a ABIN tivesse que investigar aqui dentro do Brasil, deveria investigar estrangeiros que aqui atuam, como os agentes de outros países. 
CC -  E se a Polícia Federal fizer ações de polícia dentro dos Estados Unidos?
CAC -  Sem monitoramento nunca aconteceu.  Eu autorizava muitos suportes, dava muito suporte à Polícia Federal para fazer investigações dentro dos Estados Unidos, mas nenhum policial brasileiro, em missão oficial, claro, entraria nos Estados Unidos sem a minha autorização e sem ter seus passos controlados pelo FBI.  Por quê?  Porque assim o protocolo é.  [negrito nosso].
CC -  Uma questão muito delicada.  Tenho informações de que vocês  -  quando eu digo vocês, me refiro aos serviços secretos sediados na embaixada americana  -  receberam ordens, instruções para grampear a Presidência da República e o Itamaraty... 
CAC -  Bem... essa pergunta me surpreende!
CC -  Surpreende?  Mas quem executou a missão?
CAC -  ... reafirmo:  estou surpreso com sua pergunta.  O que você sabe?  O que você soube disso?
CC -  Da ordem e do grampeamento dos Palácios da Alvorada e Itamaraty...
CAC -  Não toco nesse assunto. Ponto final! 
CC -  Então você não confirma nem desmente?
CAC -  Não confirmo nem desminto.  Ponto final! 
CC -  Foi você quem executou a ordem?
CAC -  ... Como você verá na nossa conversa daqui por diante, me recusei a cumorir ordens bem menos graves do que essa.
CC -  O Estado brasileiro não controla os agentes estrangeiros? 
CAC -  Não controla.  Porque quem paga é quem dá as ordens.  Os Estados Unidos pagam, eles dão as ordens nos setores que lhe são vitais.  Os seus governos não querem uma polícia independente, autônoma, bem paga e bem treinada, porque temem que o feitiço se volte contra o feiticeiro.  É óbvio que qualquer polícia federal em qualquer país tem que buscar ser apolítica.  Num cenário como o vosso, se instala um nível de corrupção ao qual temos de dar completa atenção.  Mas mesmo assim tenho um grande respeito pela instituição da Polícia Federal.  Tem bons delegados e agentes, o problema é de falta de autonomia.  E quero fazer uma ressalva... 
CC -  Faça sua ressalva.
CAC -  Fiquei quatro anos na chefia do FBI aqui no Brasil.  Os primeiros três no governo passado, do Fernando Henrique, e só dez meses no governo atual.  Até me admirei com o governo atual, que no cenário internacional tem tomado claras atitudes pró-Brasil e pró-independência diante dos Estados Unidos, mas, pelo que sei, não creio que o governo tenha noção do quanto a sua Polícia Federal está infiltrada por nós, há anos, o quanto depende de nós.  Por que não tem autonomia na prática, não tem recursos.
CC -  Operações como essas, cotidianas no Brasil, se acontecessem nos EUA, o que seria dos policiais norte-americanos envolvidos?
CAC -  Nunca aconteceria. Se acontecesse, iriam todos para a prisão, de cima a baixo.
CC -  Cadeia para o secretário de Justiça?
CAC - Pra todos, inclusive para o diretor do FBI.  Por quê?  Porque isso é uma violação à soberania.  Agora, quero lembrar também que nós prestamos suporte e assistência ao Brasil constantemente, por exemplo, na corrente história de investigação do Banestado.  Na investigação do juiz Lalau, rastreamos as contas e passamos isso tudo para o Brasil.  Uma das coisa de que me honram foi conseguir o Tratado de Cooperação Mútua Legal, que facilita às polícias federais de ambos os países e os respectivos órgãos judiciais a se comunicar diretamente.  Se estou nos Estados Unidos e necessito de uma ficha no Brasil para uma investigação, posso requerer diretamente à Polícia Federal ou ao Judiciário.  Então não há razão alguma para os Estados Unidos manterem aqui policiais e agentes, o que apenas caracteriza uma agressão à soberania do Brasil.
CC -  Então vocês estão aqui para quê?
CAC -  É para ser claro?  Para buscar informações e "influenciar" o anfitrião.
CC -  Influenciar com aspas, inclusive.  Vocês fazem qualquer coisa, quando querem?
CAC -  Você entra em contato com o cidadão, compra qualquer cidadão, passa informações impunemente...
CC -  Pode comprar um cidadão tranquilamente?
CAC -  Lembra o caso de um fugitivo americano, Shalom Weiss, refugiado na comunidade hassídica [seita dada comunidade judaica] em São Paulo?  Ele havia recebido a maior pena da Justiça americana, 845 anos de prisão por um rombo financeiro na Heritage Insurance Company;  pagamos US$95 mil dólares, em cheque, a um informante brasileiro.
CC -  Como foi essa operação?
CAC -  Eu, do FBI, montei uma equipe com delegados da sua Polícia Federal, de Brasília, todos da minha confiança.  Eles trabalharam para o FBI por uns três ou quatro meses, tudo pago pelo FBI. No governo Fernando Henrique.  Eu não tinha confiança em certos policiais de São Paulo, e também do Rio, então requeri que essa equipe fosse transferida para São Paulo para trabalhar no caso, tudo pago.
CC -  Tudo o quê?
CAC -  Transporte, alojamentos, carros, diárias, tudo.  Os policiais federais do Brasil sob nossa direção fizeram um excelente trabalho, inclusive grampearam a namorada brasileira do fugitivo.  E aí essa namorada foi acompanhada por uma delegada da Polícia Federal num vôo para Viena, Áustria, onde se reuniu com Weiss.  Lá, os agentes do FBI e a polícia local o prenderam (...)
[todos os negritos são nossos].

Haverá continuidade.  Há muita informação importante nessa entrevista-depoimento a ser ainda passada adiante.  Aguardem.
 
Contribuição de Martinho Nunes para o grupo Amigos do Franklin
 
 

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