Economia sofre ataque em massa na mídia
Marco Damiani _247 – Depois de reestruturar, num
trabalho brilhante, no início da década de 1990, a dívida externa do
Brasil ao longo de complexas negociações meses a fio com o FMI e dezenas
de bancos credores, e pilotar com maestria os primeiros quatro anos do
Plano Real, o ministro Pedro Malan, que ocupou durante oito anos o
Ministério da Fazenda do presidente Fernando Henrique, passou o segundo
mandato do governante tucano, entre 1999 e 2002, praticamente de braços
cruzados diante da crise internacional.
Não havia medidas
macroeconômicas, tampouco cobranças em escala na mídia tradicional pela
paralisia da atividade. Dava-se, sem esperneios, aqueles anos como
perdidos, em alinhamento com o discurso oficial, repetido até hoje pelo
próprio Fernando Henrique. O discurso de que não havia mesmo o que fazer
para enfrentar a crise global. Em Brasília, Malan convocava entrevistas
coletivas que tinham como tema, durante os menos de 15 minutos de
duração de cada uma delas, a ida do Brasil ao FMI, em pedidos de
empréstimos bilionários que ganhavam ares de pic-nics primaveris nos
jornais do dia seguinte.
As coisas mudaram. Tanto do lado do governo, como do lado da mídia. A
complacência com que o comando da economia encarou, na virada dos 1990
para os 2000, a crise internacional foi substituída pelo que se chama
agora, com crítica e ironia, de hiperativismo. Lá fora, numa atitude por
todos os ângulos honesta, a presidente Dilma ocupa os foros
internacionais dos quais participa para defender sua receita
anti-cíclica, sem receio de deixar de ganhar jantares de gala com
direito a discursos amigáveis e honrarias de ocasião. À maneira de cada
um, o governo tucano deu e a gestão dilmista dá o melhor de si ao País –
mas esse segundo jeito parece que não serve.
Em meio a projeções do "pibinho" de 1% para 2012, uma revoada de avis
raras ocupa a mídia tradicional rumando para a mesma direção de
tempestadas no horizonte. É para lá que está indo a nossa economia,
dizem. Entre colunistas de economia e de sociedade, como se diz,
ex-presidentes do BC e antigos quadros da alta administração pública, o
que se tem, hoje, é outra vez a expressão do pensamento único neoliberal
de que não se pode voar contra o vento.
Tem-se o cuidado, até mesmo, de minimizar a crise internacional e
atribuir exclusivamente à política econômica local a baixa do PIB. "Uma
investigação minimamente mais cuidadosa, contudo, mostra um quadro muito
distinto daquele suposto pelo Banco Central (BC). A começar porque, do
ponto de vista da economia global, a desaceleração recente é pálida
sombra do que foi a crise de 2008/2009", escreveu o economista e
ex-diretor do Banco Central (2003-2006) Alexandre Schwartsman. Ele
compara o desempenho brasileiro com o de outros países do continente
para garantir sua tese. "Quando se examina o período mais recente,
todavia, é visível a diferença de desempenho entre o Brasil e os demais
países latino-americanos. Embora o crescimento tenha se desacelerado em
todos eles (em média uma redução de 1 ponto percentual), a desaceleração
brasileira foi muito mais forte (cerca de 4 pontos percentuais) e o
Brasil é o único que registra expansão abaixo da tendência estimada.
Posto de outra forma, os dados sugerem que o baixo crescimento nacional é
um fenômeno local", cravou.
Por outro ângulo, alerta a colunista Sônia Racy, de O Estado de S.
Paulo, em nota intitulada Guinada 1, que empresários que ela ouviu, pró e
contra o governo, já exprimem o mesmo temor: "Acreditam que, sob
pressão, ela (a presidente Dilma) possa... radicalizar. Sem romper
contratos, mas aprofundando a atual centralização". Se não bastasse, tem
a Guinada 2: "Para o mercado financeiro, a pior coisa que Mantega
poderia ter feito era reclamar publicamente dos números do IBGE.
Imediatamente, lembraram-se de Cristina Kirchner".
As dúvidas do ministro sobre o PIB do terceiro trimestre apontados
pelo IBGE valeram, nesta quinta-feira 6, editorial do mesmo Estadão:
"Parece-nos muito grave que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, duvide
dos dados do IBGE, que desde 1936 reúne estatísticas sobre o Brasil."
Na verdade, o que Mantega levantou publicamente, durante entrevista, foi
uma dúvida sobre o peso dos investimentos públicos na composição do
resultado, o que foi interpretado, sem condescendência, como quase uma
ordem de revisão dos números dada pelo titular da Fazenda aos técnicos
do IBGE. Isso não aconteceu, mas para o Estadão...
Há, é certo, algo de ufanismo na postura de Mantega. Ele acredita ser
papel do ministro da Fazenda portar boas notícias, animar os agentes
econômicos, mexer com os brios dos empresariado e até mesmo proteger os
trabalhadores. Exagerou, assim, em suas projeções para o PIB do terceiro
trimestre – e a escorrega já vai lhe custando praticamente uma
crucificação em praça pública. Com direito a grossa ironia. É também do
ex-BC Schwartsman, no seu artigo O Quarto do Riso, publicado no jornal
Valor Econômico, a tirada de sarro sobre o ministro: "É preciso
reconhecer que, em retrospecto, o ministro da Fazenda estava correto ao
qualificar a projeção do PIB de 1,5% como piada; só não percebeu que a
sua própria piada (crescimento de 4%) era bem mais engraçada...".
Quando, por outro lado, o governo aponta para a ideologização do
debate econômico, tal qual aconteceu há pouco em torno do julgamento do
chamado mensalão, no campo político-jurídico, não parece estar errado.
Os ataques à Fazenda e ao BC eram, até aqui, comedidos, mas bastou,
digamos, sair o primeiro dos que apostam contra o governo para que toda a
torcida mostrasse sua paixão. Já há quem veja a presidente Dilma e o
ministro Mantega definitivamente de mau com o empresariado e o público,
apesar da série de bons resultados no emprego, na renda e no consumo. É o
caso do colunista Carlos Alberto Sardemberg, que escreve para jornais e
tem presença diária no Jornal da Globo, da Rede Globo: "Vamos falar
francamente: as relações do governo Dilma com o setor privado caíram no
pior dos mundos. Há uma perversa combinação de hostilidade ideológica,
negócios de compadres e corrupção. Nesse ambiente, só investe quem
consegue um jeito de transferir o risco para o governo, obter
financiamento e/ou subsídio e/ou acertar com funcionários na base da
propina."
Se os ânimos se acalmarem em ambos os lados, o debate econômico sem dúvida sairá ganhando. Mas nem há sinal de trégua.
Nenhum comentário:
Postar um comentário