Luis Nassif
É um desses paradoxos da história. Enquanto é
achincalhado em seu próprio país, em Paris, junto com o presidente
francês François Hollande, Lula lança o que será considerado,
provavelmente, o mais importante manifesto sobre a governança global
desde o "Consenso de Washington", que marcou a vida das nações nas
últimas décadas. É o 'anti-consenso de Washington", que deverá servir de
base para a reaglutinação da social democracia em nível global.
Mesmo antes da queda do Muro de Berlim, a social democracia estava em crise profunda, desarticulada, sem princípios de ação.
Ontem, em Paris, no “Fórum pelo Progresso Social, o crescimento como
saída para a crise”, o Instituto Lula e a Fundação Jean Jaurès, do
Partido Socialista francês soltaram documento conjunto para a primeira
convocação de fundações políticas e institutos progressistas do mundo
inteiro, visando propor uma nova governança global.
Com o manifesto, Lula e François Hollande passam a encabeçar a
primeira iniciativa mundial, visando criar um contraponto de governança
global ao “consenso de Washington” – que forneceu as bases para o modelo
neoliberal que se tornou praticamente hegemônico nas últimas décadas.
Os termos do documento provavelmente marcarão a história da
globalização com o mesmo impacto provocado pelo “ Consenso de
Washington” no início dos anos 90.
O documento é objetivo, ao afirmar que “a globalização divide ao
invés de unir”. Diz que a crise internacional agrava a concorrência
entre países e sociedades e atinge principalmente os mais vulneráveis.
A crise afeta todos os países, adia decisões contra o aquecimento
global. A falta de uma ação planejada, continua, pode levar a um ponto
de não-retorno.
O manifesto propõe uma nova governança global, que minimize os
conflitos que permita que “cada nação realize o modelo de sociedade que
escolheu”. E os poderes públicos “devem garantir que todos tenham
oportunidades de desenvolver suas capacidades individuais”.
Depois, chama a atenção para as mudanças estruturais que estão ocorrendo:
“Mas um novo mundo está em gestação para responder aos desafios
sociais, ambientais e políticos da globalização. A sociedade civil
mundial se tornou uma realidade tangível. Políticas públicas inovadoras e
outros modos de governar surgem em todos os continentes,
particularmente nos países emergentes e em desenvolvimento. As
instâncias multilaterais também estão se reconfigurando. A constituição
do G20 reflete a mudança dos equilíbrios mundiais, mas seu impacto ainda
limitado ilustra a dificuldade dos governos de chegarem a um acordo e
de agir de forma concreta”.
E termina com uma conclamação histórica:
“Fazemos uma conclamação em defesa da confiança na capacidade humana
de se reinventar e do poder criador de nossa sociedade-mundo, para sair
definitivamente da crise e construir as bases de um futuro harmonioso
que possa ser compartilhado por todos”.
DECLARAÇÃO CONJUNTA DA FUNDAÇÃO JEAN JAURÈS E DO INSTITUTO LULA
A globalização é um imenso desafio com o qual se confronta a humanidade.
Ela tem um poder formidável de mudança para todas as sociedades: a
mudança econômica, com a intensificação das trocas; a mudança cultural,
pois essas trocas possibilitam a circulação de ideias e a transformação
das práticas culturais e de costumes; a mudança política, já que a
emergência de preocupações partilhadas exige uma vontade comum de agir e
de superar conjuntamente as dificuldades.
No entanto, a globalização, da forma que ocorre atualmente, está longe de satisfazer as aspirações que legitimamente suscita.
A crise econômica internacional agrava a concorrência entre os países
e as sociedades. Ela atinge os mais vulneráveis, particularmente os
trabalhadores e os jovens. Ela afeta a todos os países, os que estão em
recessão e os que estão em crescimento. Ela conduz governos a adiar as
decisões necessárias para prevenir o aquecimento global, sendo que a
exaustão e a degradação dos recursos naturais corre o risco de atingir
um ponto de não-retorno devido à falta de uma ação planejada de forma
conjunta.
Sejamos claros: hoje, a globalização divide ao invés de unir.
Isoladas, as políticas de austeridade mostraram seus limites para
encontrar a saída da crise. A retomada ainda não esta garantida, ao
mesmo tempo em que os direitos econômicos e sociais estão ameaçados. É
imprescindível que sejam adotadas políticas de crescimento. Somente
assim a globalização poderá garantir o respeito à coesão social e ao
meio ambiente.
Uma nova governança é necessária para, de um lado, regular os
conflitos entre as nações e garantir a paz e, de outro, permitir que
cada nação realize o modelo de sociedade que escolheu. Os poderes
públicos devem garantir que todos tenham oportunidades de desenvolver
suas capacidades individuais. Devem também trabalhar em prol da
perenidade do meio ambiente para as gerações futuras.
Mas um novo mundo está em gestação para responder aos desafios
sociais, ambientais e políticos da globalização. A sociedade civil
mundial se tornou uma realidade tangível. Políticas públicas inovadoras e
outros modos de governar surgem em todos os continentes,
particularmente nos países emergentes e em desenvolvimento. As
instâncias multilaterais também estão se reconfigurando. A constituição
do G20 reflete a mudança dos equilíbrios mundiais, mas seu impacto ainda
limitado ilustra a dificuldade dos governos de chegarem a um acordo e
de agir de forma concreta.
As respostas às questões colocadas pela globalização não se afirmarão
espontaneamente. Elas se construirão pelo diálogo, pelo debate das
opiniões dos estudiosos e pela mobilização dos atores e dos povos, no
sentido mais amplo.
É por isso que, a partir deste fórum que se reuniu em Paris nos dias
11 e 12 de dezembro, lançamos um chamado para as outras fundações
políticas e institutos progressistas do mundo inteiro: vamos constituir a
iniciativa “Fundações pelo Progresso Social”. Fiéis à nossa vocação e à
nossa missão, vamos nos reunir periodicamente para debater, escutar,
propor. Vamos fazer emergir convergências e consensos; vamos nos unir
para ter uma influência nos destinos do mundo.
Os riscos que atualmente ameaçam a humanidade são grandes demais para
nos focarmos apenas em uma gestão de curto prazo destes problemas.
Fazemos uma conclamação em defesa da confiança na capacidade humana
de se reinventar e do poder criador de nossa sociedade-mundo, para sair
definitivamente da crise e construir as bases de um futuro harmonioso
que possa ser compartilhado por todos.
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