blog do Luis Nassif
Por Nilva de Souza
Do Diário do Centro do Mundo
de Paulo Nogueira
Aula magna de jornalismo
O jornalista John Pilger é daqueles que sonham mudar o mundo para melhor. E agem
Brilhante. Tocante. Esclarecedor. Imperdível.
Não sei que adjetivos mais empregar para designar o documentário A
Guerra Que Você Não Vê, de John Pilger, um jornalista nascido na
Austrália e radicado em Londres. Pilger, 71 anos, é aquele jornalista
que todos sonhamos ser no início da carreira – quando temos a convicção
de que o jornalismo pode mudar o mundo. O dia a dia logo nos rouba as
ilusões e nos dá em troca uma quantidade suficiente de cinismo para
olharmos para o espelho sem a auto-recriminação dos que traem a si
próprios.
Pilger não desistiu do sonho – e por isso acabou construindo como
jornalista uma obra simplesmente única. Em seus artigos, livros e
documentários, Pilger cumpre um dos objetivos mais nobres e mais
esquecidos do jornalismo: dar voz a quem não tem.
Em A Guerra Que Você Não Vê, Pilger dá uma aula magna de história
moderna e de jornalismo. (No YouTube, ele aparece fatiado, como mostra o
vídeo que abre este texto.) Pilger põe foco na Guerra do Iraque, mas
também fala de outras.
Dois fatores, lembram ele, foram determinantes que os Estados Unidos e
a Inglaterra de Tony Blair invadissem o Iraque em 2003. O primeiro é
que o regime de Saddam Hussein teria armas de alto poder destrutivo. Não
era verdade. O segundo é que Hussein teria vínculo com a Al-Qaeda de
bin Laden. Também não era verdade.
A mídia comprou as duas mentiras. Não fez o que deveria ter feito:
checar as informações oficiais. Os jornais e os jornalistas fizeram não
jornalismo, mas propaganda – e isso como que legitimou a Guerra do
Iraque.
Quando as falácias vieram à tona, era tarde demais. Dezenas de
milhares de civis iraquianos estavam mortos. Crianças, mulheres, velhos
em quantidade pavorosa numa guerra cuja única causa era – e é – o
petróleo.
Pilger entrevistou alguns dos grandes jornalistas que não fizeram o
que deveriam ter feito. Quase todos estão claramente embaraçados e
envergonhados. O âncora Dan Rather, que era o principal nome do
telejornalismo americano naqueles dias, reconhece que, se os jornalistas
tivessem feito um trabalho de investigação decente diante das alegações
de Bush, provavelmente os Estados Unidos não invadiriam o Iraque.
A cobertura ocidental da guerra fazia crer que os iraquianos estavam
felizes com a chegada das tropas aliadas. Quando o mundo tomou ciência
do sofrimento e da revolta dos iraquianos, foi por obra da rede árabe Al
Jazeera, bancada pelo governo do Catar. Um jornalista britânico que
cobria a guerra para a BBC lembra, no documentário, que escritórios da
Jazeera no Iraque foram objeto de atentados. Era uma tentativa de
intimidar jornalistas que estavam mostrando uma guerra que não era
exatamente a que se via nas emissoras americanas ou inglesas. Ou
matá-los.
A guerra real – e Pilger dá o crédito – só seria revelada ao público
ocidental pelo Wikileaks, no célebre vídeo que mostra soldados
americanos em dois helicópteros matando por engano civis numa Bagdá
destroçada.
O documentário produz uma reação ambígua. Você amaldiçoa o jornalismo
por conta de coisas como seu papel na Guerra do Iraque – mas ao mesmo
tempo o abençoa por causa de gente como John Pilger.
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